domingo, 3 de junho de 2012

9) Um casamento em Tapes.

Junkers F-13

Eu voava num F-13, de Pelotas para POA, com cinco passageiros masculinos, ao entardecer de um dia com mau tempo, chuva torrencial e tetos muito baixos. Ao chegar nas proximidades de POA, vizinhanças das margens do rio Guaíba, não consegui mais avançar, pois não enxergava mais nada à frente. Andei de lá prá cá na esperança de chegar ao aeroporto São João, mas o tempo estava implacável. Eu tinha que pousar em algum lugar, pois já estava escurecendo e não se voava à noite por absoluta falta de condições, sem qualquer iluminação nem no avião nem no solo.

Lembrei-me então da velha pseudo-pista de Tapes, à margem da Lagoa dos Patos, ali perto. Então segui costeando aquela extensão de água, mal enxergando por onde andava, e cheguei à abençoada pistazinha, onde pousei quase às cegas. Taxiei até a extremidade mais próxima da pequena cidade e lá estacionei na esperança de que alguém viesse em nosso socorro, pois chovia muito, já era noite e certamente nos perderíamos ao tentar caminhar sem orientação naquela vastidão de campos incultos.

Ficamos dentro do avião, os cinco passageiros na cabine, felizmente fechada que havia atrás do “Cockpit,”e nós os dois tripulantes na cabine dianteira, ensopados de água da chuva, pois não achávamos conveniente sair com que tempo, completamente às escuras, debaixo d’água, sem sabermos qual o caminho para a cidadezinha naquela vastidão de campos. Meu co-piloto-mecânico encontrou uma pequena lâmpada com um fio comprido, que com dificuldade conseguiu ligar à bateria do avião e fixá-la na parte superior externa da fuselagem. Ficou assim nosso avião com a sinalização ainda que mortiça, que poderia orientar que nos viesse procurar. Isso porque, antes do pouso, o mecânico havia informado a VARIG POA de nosso destino , e com isso, talvez pudessem conseguir uma ligação telefônica com Tapes que provocaria buscas em nosso auxílio.apesar das dificuldades que havia naqueles tempo de se falar pelo telefone.

Estávamos assim naquelas condições, às escuras, com frio e fome e sede, sem poder sair nem para urinar, limitando-nos alguma conversa e contando anedotas, quando ouvi uma voz que nos chamava do exterior. Surpreso e esperançado, abrir uma janela lateral e divisei um vulto que parecia alguém envolto num poncho, à cavalo, junto à asa esquerda do avião. Apesar da chuva, desci para falar com aquele enviado de nossas esperanças. Era um gaúcho, peão de estância, que se dirigia às proximidades da cidade, enfrentando corajosamente aquele tempo tenebroso. Cumprimentei-o com toda a cortesia, e ele me disse que passava por ali, seu caminho usual (eu não poderia nem imaginar como ele conseguia navegar naquela escuridão!), quando vira aquela luzinha no meio do campo (“Inté pensei que era boi-tatá”, disse-me ele, “mas porem despois vi essa coisa que eu nunca tinha visto, e que se parecia com um aeroplano que vi numa revista! Então vim ver se tinha gente dentro!). E tinha, e como! Expliquei nossa situação para nosso salvador e pedi que fosse a uma delegacia de polícia e contasse o que vira e pedisse que viessem nos buscar. Ele prontificou-se prontamente a cumprir essa missão, e de fato, passadas algumas horas aproximaram-se de nós alguns automóveis com os faróis acesos.

Era gente muito cordial, que nos levou para a cidade, onde nos acolheram com toda a cortesia, e nos forneceram comida e roupas secas. Algum tempo depois, como havia um casamento muito importante na cidade, para o qual todos estavam convidados, lá fomos nós, os sete sobreviventes, participar também da festa. Comemos, bebemos, dançamos, e afinal, cansados mas satisfeitos, fomos dormir para no dia seguinte, com tempo melhor, decolarmos rumo a nosso destino. Infelizmente não guardei os nomes daqueles passageiros de boa vontade, tolerantes e conformados com as dificuldades daqueles tempos aeronáuticos primitivos que enfrentávamos com a coragem e a disposição de gente jovem, motivada e dedicada.

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