quarta-feira, 6 de junho de 2012

18) Hélio e Araldo no “Titicaca”



Electra II - Chegada em SAO - 1962

Quando a VARIG adquiriu o controle acionário da REAL, esta havia encomendado nos USA dois aviões a jato modernos, quadrimotores, da marca Convair, tipo 990 ou “Coronado”. Tinham mais ou menos as mesmas características dos Boeing 707 que a RG já operava, mas eram mais velozes porque tinham um enflechamento maior nas asas, o que era considerado uma certa vantagem. Alem desses dois aviões, a REAL havia comprado da American Airlines dois aviões do tipo Lockheed Electra II. Esses aviões tinham sido projetados para vôos médios e curtos, mas quando lançados pela fábrica (e haviam sido comprados mais de cem aeronaves) houve alguns graves acidentes que fizeram com que a autoridade de aviação civil americana interditasse os Electra até que se soubesse a razão dos acidentes e que fossem tomadas medidas saneadoras. Assim os Electra, em todo o mundo, ficaram “grounded” por um longo tempo, ao cabo do qual descobriu-se a causa dos acidentes (as asas se desintegravam devido a um defeito estrutural de projeto, com perda total). Após isso a fábrica Lockheed, da Califórnia, recolheu todos os aviões que vendera e reconstruiu as asas dos mesmo, de forma a sanear o defeito. Foi um enorme prejuízo que a fábrica teve, e que influiu em seu futuro. Os Electra modificados foram chamados de Electra II e redistribuídos às empresas que passaram a operá-los com pleno sucesso, pois o Electra II tornara-se um excelente avião, salvo pelo fato de que era turbo-hélice e não jato como outros que já voavam pelo mundo afora, tendo portanto menor velocidade. 
Ruben Berta não queria receber esses quatro aviões por serem diferentes dos da VARIG, portanto despadronizados, e tentou desistir das encomendas. A REAL, no entanto, antes da venda para a VARIG, já havia pago uma “entrada” por esses aviões, e havia contratos que obrigavam a nova REAL a aceitá-los.
Quanto aos Coronado, que estavam prontos em LA, Berta exigiu da fábrica que provassem que o avião podia operar na pista de Congonhas, com plena carga. Pois a Lockheed mandou um avião a SAO, com tripulação própria, que fez uma cabal demonstração da utilização do avião na pista de Congonhas (da qual tive oportunidade de participar), fazendo com isso com que o requisito imposto por Berta fosse  satisfeito. Afinal os aviões vieram e foram bastante utilizados nas linhas internacionais da VARIG.

Quanto aos Electra II, eles eram aviões para linhas domésticas e, portanto, da alçada da nova REAL, em SAO, que era dirigida por mim. Berta havia, aparentemente “esquecido” os Electra II que estavam prontos no pátio do aeroporto de Tulsa, Oklahoma, USA, a principal base de manutenção da American Airlines, de quem os aviões haviam sido comprados.

Discutimos o assunto em SAO, eu e meus companheiros mais graduados da empresa, e chegamos à conclusão de que devíamos trazer os aviões, pois com suas características passariam a ser os melhores e mais modernos aviões da frota da nova REAL, e levando também em consideração que já havíamos pago
 à AA parte do preço dos aviões.

Assim sendo, tomamos algumas providências e preparamo-nos para viajar a Tulsa, numa pequena caravana chefiada por mim e integrada  , entre outros, por Hélio Schmidt e Araldo Kluwe, a quem eu convidara para viajarem aos USA, pois eles nunca tinham, saído do Brasil. Viajamos pela VARIG na linha pelo oeste, e nossa primeira escala era Lima, no |Perú. Hélio e Araldo sentavam -se em duas poltronas, lado a lado falando sobre os Andes, que estávamos sobrevoando, e comentando especialmente a situação do lago Titicaca, sobre as montanhas, a mais de 4000 metros de altitude. Haviam manifestado o desejo de contemplar o tal lago, mas o avião voava sobre uma densa camada de nuvens e por isso nada vimos até a chegada sobre o aeroporto de Lima, nossa primeira escala.  O avião executava o procedimento de descida sobre o aeroporto, quando  atravessou as nuvens e nós pudemos descortinar a bela paisagem da costa, com o porto de Callao e diversos grandes navios ali ancorados. Eu sentava-me atrás de Hélio e Araldo e por isso ouvi quando Helio, intrigado, dizia: “Mas como é que esses caras conseguiram trazer esses navios aqui para cima ? Certamente foi aos pedaços, em lombo de burro !”, com o que Araldo concordava, sacudindo a cabeça.

Não entendi o comentário no primeiro instante, mas logo pude compreender: Ele estava pensando que o oceano Pacífico, que víamos em baixo, era o tão falado lago Titicaca, nos alto dos Andes ! Resolvi alimentar aquela crença, a título de gozação, e disse: “Pois é! Deve ter dado muito trabalho, mas enfim conseguiram, como podemos ver. E a propósito: vamos desembarcar e nesta altitude há pouco oxigênio. Caminhem devagar, respirando fundo.” E eles assim o fizeram, caminhando lentamente, um apoiado no outro, respirando fundo o ar abundante de oxigênio que nos aguardava no aeroporto, ao nível do mar. A coisa foi encarada como uma boa brincadeira, um como que batismo para dois neófitos nas linhas internacionais. Ao fim da história, o curioso é que Hélio continuou como excelente diretor da nova REAL, e mais tarde chegou a Presidente da VARIG, onde fez uma boa administração, a despeito de ter confundido o Pacífico com o lago Titicaca, anos antes. Já faleceram ambos os bons amigos, o Hélio de câncer nos ossos e o Araldo num acidente de automóvel em SAO. Guardo boas lembranças de ambos.

E os Electra II? Pois fomos a Tulsa buscá-los, nosso pessoal fez o devido treinamento, e passam a voar em nossas linhas, inclusive numa certa época em que houve um acerto entre brasileiros e portugueses para que aviões turbo-hélice, mais lentos do que os jatos, pudessem voar no Atlântico Norte, entre Brasil e Portugal, com tarifas mais baratas, o que foi um sucesso. Os Electra passaram a cruzar o Atlântico “com u’a mão atada nas costas!”. Chegamos a ter uma dúzia desses magníficos aviões, dos quais todos gostavam, passageiros e tripulantes.  A partir de uma certa época, os Electra II passaram a ser “donos” da Ponte Aérea RIO-SAO, voando ali com segurança, regularidade e conforto. Os usuários da Ponte adoravam os Electra. Foram substituídos por jatos após vários anos, por razões de falta de peças, “as usual”. Foram todos vendidos, exceto um deles, que foi doado pela VARIG ao museu de aeronáutica do campo dos Afonsos, no RIO, onde lá está hoje, depois que muito ar passou por suas asas.

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