segunda-feira, 4 de junho de 2012

12) A investigação em Itanhaém

Curtiss C-46

Ao fim da década dos anos quarenta ou começo dos anos cinquenta, nós tínhamos uma linha POA-SAO-RIO com aviões de passageiros Curtiss C-46. Num dia sai de POA um avião comandado pelo competente Cmte Matzembacher, rumo a SAO. Pouco além de Florianópolis, naquele trecho sobre o oceano, o motor esquerdo do avião pegou fogo. O piloto, que sabia dos riscos dos incêndios em aviões, depois de utilizar os extintores existentes no motor e não conseguindo apagar o fogo, desceu vertiginosamente para tentar um pouso de emergência ou na praia que se aproximava, ou numa antiga pista de pouso existente na localidade de Itanhaém, à beira do mar, ali perto.

Conseguiu aproximar-se da pista, mas como estava sem pressão hidráulica para arriar os flaps das asas, o avião planou e ultrapassou a pista, deslizando sobre a barriga ao longo de um banhado com troncos de árvores cortadas, que tinha água até a altura da cintura de quem por ali andasse. O avião parou sobre uma pequena elevação, e seus ocupantes saíram pelo meio do banhado, caminhando com dificuldade até a cabeceira da pista, onde foram socorridos por pessoal da cidadezinha e levados para o único hotel ali existente.

Quando soubemos do acidente em POA, pois o rádio operador do avião tinha comunicado a POA o que estava ocorrendo em voo e a intenção de pousar na costa, perto de Itanhaém, imediatamente embarcamos num C-47 cargueiro, eu e meu companheiro Schittini, e partimos para Santos que era perto de Itanhaém e onde havia uma base da FAB, onde esperávamos conseguir um helicóptero para ir a Itanhaém. Chovia muito e pousamos em Santos com alguma dificuldade. Lá, com a FAB, não conseguimos o tal Helicóptero. Só havia duas maneiras de chegar a Itanhaém: ou pela praia, de automóvel, ou num trenzinho que percorria aquela região coberta por plantações de bananas, em total escuridão, pois já era noite. Como a praia estava intransitável, com maré alta, optamos pelo tal trenzinho que estava cheio de caboclos da região e no qual tivemos que viajar de pé.

O trem arrancava, resfolegava algum tempo lentamente, e parava. Assim fez várias vezes, e nós não sabíamos onde era Itanhaém. Resolvi perguntar a um passageiro que parecia entender da coisa onde ficava nosso destino, ao que ele respondeu: “na próxima estação”. Preparamo-nos e assim que o trem parou desembarcamos numa completa e total escuridão no meio do bananal, sem qualquer indicação que nos orientasse. Havia porem, um caboclo encostado num poste, a quem me dirigi perguntando onde ficava Itanhaém. Ele cuspiu para o lado, e disse: “é mais adiante, pela ferrovia!”.
Seguimos então pelo leito da estrada de ferro, no meio do bananal, até, afinal, chegarmos à vila de Itanhaém, onde encontramos a tripulação e os passageiros muito bem acomodados num hotel. Nosso objetivo era investigar a causa do incêndio e as circunstâncias em geral do ocorrido, por isso no dia seguinte, sem a chuva da véspera, seguimos para o local e fizemos a devida investigação. Tinham vindo por uma estrada que chegava a Itanhaém pelo alto da serra, um ônibus e um jipe da VARIG. O ônibus levou os tripulantes e passageiros para SAO, e o jipe ficou, com o saudoso companheiro Araldo Kluwe, à minha disposição.

Saímos portanto de Itanhaém no jipe da VARIG, eu no volante porque meus companheiros não queriam guiar pela praia inundada. Com a chuvarada dos dias anteriores, a praia – uma estreita faixa de areia espremida entre o mar e os morros cobertos de mata virgem – estava repleta de arroios caudalosos que desciam da serra e penetravam mar adentro, com altas barrancas na faixa arenosa, que me obrigavam a penetrar mar adentro quando as ondas assim o permitiam, para ultrapassar as barrancas e voltar à areia seca. Fiz isso umas três ou quatro vezes, até que surgiu à minha frente o avô de todos os arroios. Tinha barrancas de mais de metro, que entravam pelo mar e me obrigariam a penetrar nas águas marinhas além do ponto onde costumava fazê-lo.

Hesitei algum tempo, parado sobre a praia, mas afinal, como não havia alternativa, aguardei o recuo de uma onda e entrei pelo mar, com a tração nas quatro rodas ligada. Já estava a meio caminho de ultrapassar o arroio, quando veio uma enorme onda do mar e simplesmente cobriu e virou o jipe. Saltamos os três para dentro do mar, com água pelo peito, e tratamos, desesperadamente, de tentar mover o jipe, mas este já estava meio enterrado no fundo o oceano e nem se mexeu. Após ingentes esforços, convencemo-nos de que nosso esforço era inútil e nos dirigimos para a praia, encharcados dos pés às cabeças, desolados pela perda do jipe e sem esperanças de conseguirmos condução para Santos, pois ninguém por ali passava.

Estávamos os três sentados na areia sem saber o que fazer, quando vimos que se aproximava um grupo de uns 50 ou 60 caboclos, esfarrapados, barbudos e com caras de apenas um ou dois amigos. Achei que iríamos ser assaltados, trucidados, ou sei lá o que mais. Estava nessa expectativa ansiosa, quando um deles, que deveria ser o líder, aproximou-se e disse: “Por quinhentos nóis tira o jipe!”

Mal podia acreditar no que ouvia! Então não seríamos trucidados? Então poderíamos salvar o jipe da VARIG? Tínhamos pouco dinheiro, mas consegui reunir os quinhentos pedidos (seriam cruzeiros? Não saberia dizer hoje em dia). Entreguei o dinheiro ao líder, que em seguida conduziu a turba para dentro d’água e com a maior facilidade levantou o jipe e levou-o para a faixa de areia seca. Fazia parte do trato enxugar parcialmente o jipe, inclusive o platinado do distribuidor, e empurrá-lo até que o motor “pegasse”. Tudo dito e feito, despedimo-nos da turba que havíamos julgado tão mal, e que certamente ficavam por ali à espera de carros que atolassem, para ganhar uns trocados.

Seguimos para Santos, onde chegamos sem mais problemas, e dali fomos para SAO, para o aeroporto de Congonhas onde embarcaríamos, menos o Araldo que ficaria em SAO, no primeiro avião VARIG que passasse. Anos mais tarde, quando um dia desembarquei em Congonhas, vindo do Rio para assumir o controle da REAL, deparei-me com o velho jipe de nossas desventuras. Se ele tivesse cabeça para pensar, certamente refletiria ao contemplar-me com seus faróis arregalados: “Aí vem aquele cara que quase me afogou há tempos, na Praia Grande! O que será que ele vai inventar agora? É melhor pôr as barbas de molho!”

Mas jeep não pensa e isso não aconteceu, ou ele não teve a intenção de fazer qualquer crítica. Ficou por ali, prestando bons serviços, e ainda lá estava quando deixei SAO, cinco anos mais tarde.

Um comentário:

  1. Rubens Bordini ,estou fazendo uma pesquisa sobre este episodio do avião , se por acaso puder dar mais detalhes a respeito do avião , é so mandar para email- voolivre.com@hotmail.com des de ja agradeço ,abraços

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