segunda-feira, 25 de junho de 2012

49) Acontecimentos, ocorrências

Super Constellation Start Up

New York no inverno: um frio terrível, vários graus centígrados abaixo de zero! Caminhava pela cidade devidamente agasalhado, quando soube por um jornal que o navio Queen Elizabeth, o maior do mundo na época, estava no porto. Queria ver o navio e então dirigi-me para lá. Quando cheguei vi que as águas do porto estavam congeladas, com grandes blocos de gelo cobrindo toda a superfície de mar e “espremendo” o grande barco contra o cais.

Tive então a idéia de ser fotografado junto ao casco do mesmo, de pé sobre o gelo. Eu tinha uma câmara fotográfica Yashica e um colega ali junto poderia fotografar-me. A idéia era maluca e perigosa, Eu poderia escorregar e quebrar uma perna, por exemplo, ou o gelo poderia partir-se e eu naufragar nas águas geladas. Porem, com a audácia da juventude e boas condições físicas, consegui descer a amurada até as placas de gelo e com cuidado e lentamente, caminhar até o costado do navio. E aí, então, fui fotografado com a mão enluvada encostada no casco do gigante. Creio que fui a único brasileiro a jamais fazer uma coisa dessas! Que tolice!

A primeira vez em que estive em NYC durante o inverno foi quando fui a serviço à fábrica dos motores do avião Super-Constellation. Naqueles tempos não havia “fingers” para embarcar ou desembarcar. A gente tinha que sair da cabine aquecida do avião e enfrentar o pátio gelado do aeroporto, com uma diferença de temperatura que podia chegar a uns 30 graus Celsius. Desembarquei, portanto, vestindo roupa relativamente leve, e tive um choque térmico ao enfrentar aqueles 8 ou 10 graus C negativos. Caminhei tiritando para o prédio da Imigração e lá fiquei algum tempo, roxo de frio.

O avião Super G tinha motores “Turbo-Compound” nos quais, numa tentativa de extrair o máximo de potência possível, a fábrica colocara três ventoinhas acionadas pelos gases do escapamento, que transmitiam ao eixo de manivelas um pouquinho e potência adicional. Tinha sido, digamos assim, o “canto do cisne” do motor a pistão, que estava fadado a ser substituído pelas turbinas a jato, que já surgiam um tanto timidamente no horizonte tecnológico aviatório.

O motor a pistão, com cilindros e eixo-manivelas, tivera seus momentos de glória na história aeronáutica. Graças a ele começou-se a voar com o mais pesado que o ar, e evoluiu-se gradativamente através de aviões de transporte de grande valor, tais como o DC-3, o C-46, o DC6B e outros, sem falar nos pequenos aviões de treinamento ou recreio, que usam até hoje excelentes motores de cilindros opostos. Ao surgir, porem, a necessidade e conveniência de fabricar aviões maiores e mais pesados, como o Super Constellation, foi necessário, na falta de coisa melhor, “envenenar” o motor a pistão com as tais ventoinhas, fazendo-o assim ultrapassar seus limites de operação segura e satisfatória. O belo e aperfeiçoado avião Super Constellation que a Lockheed projetou e produziu, com vários aperfeiçoamentos em relação a seus antecessores e contemporâneos, tinha seu “calcanhar de Aquiles”: era seu motor! A REAL e a VARIG operavam esses aviões, e se tornou bastante comum haver falha de motores durantes as viagens, especialmente na linha para NEW YORK, na qual o avião atravessava áreas sub-equatoriais e equatoriais, com grandes diferenças de temperatura. Os motores eram críticos, e falhavam com certa freqüência, no que se poderia chamar de estertor da fase cilindro e pistão das máquinas de combustão interna.

A Direção da VARIG, evidentemente, preocupou-se com esse estado de coisas, pois cada pane de motor no SUPER representava muitas vezes a necessidade de trocar o motor, com grandes demoras e atrasos para os passageiros, e os conseqüentes prejuízos. Foi, pois, devido a essa preocupação que o Presidente convocou uma reunião de técnicos em seu gabinete de POA, para discutir amplamente o assunto das falhas de motor no Super G e as eventuais medidas a serem tomadas. Não se chegou, porem, a uma conclusão definitiva, a não ser a necessidade de apresentar o problema e pedir solução aos engenheiros da fábrica dos motores nos USA, pois eles lidavam com centenas dessas máquinas e certamente poderiam fornecer alguma orientação. Decidiu-se, assim, enviar alguém aos USA para essas entrevistas com os técnicos americanos, e eu fui o escolhido para tal, apesar de achar, sinceramente, que não era o mais indicado para a missão. Não tive, porem, escolha, pois foi uma ordem de Ruben Berta.

Preparei-me para a ida aos USA, convocando para me assessorar o competente e experiente F/E Elton Teixeira (o chamado Teixeirinha), que tinha muitas horas de vôo em aviões Super G. Partimos então de POA, na esperança de conseguir com os americanos uma solução para as panes de nossos aviões.

Ao desembarcar em NYC, como já disse, senti muito frio, pois era o rigor do inverno e eu não levava roupas adequadas. Uma das primeiras coisas que fiz lá, portanto, foi procura uma das lojas “Army & Navy” que eu já conhecia, e que vendiam roupas e apetrechos das forças armadas dos USA, a preços muito convenientes. Comprei camisetas de lã, ceroulas compridas também de lã, meias grossas, botinas forradas de lã, um gorro forrado e um casacão próprio para o Pólo Sul. Levei tudo aquilo para o hotel, vesti-me como um explorador polar e saí para almoçarmos. Na rua, tudo bem, sentia-me protegido do frio, mas ao entrar no restaurante super-aquecido, comecei a sentir um enorme calor e a suar, a ponto de ir ao toalete para livrar-me de parte da vestimenta. Aprendi então que num lugar como NYC, com aquecimento em todos os lugares que a gente pudesse ir, o correto era vestir uma roupa relativamente leve coberta com um casacão adequado. No ambiente aquecido, era só tirar o casacão e ficar à vontade. Afinal eu estava acostumado com os invernos de POA, onde não haviam aquecimentos, e a gente tinha que usar dentro de casa a mesma roupa que usava na rua.

Na fábrica dos motores discutimos, eu e Teixeirinha, amplamente nosso problema de panes e os detalhes de nossa operação. Ao cabo de muitas considerações, eles chegaram à conclusão de que operávamos numa zona trans-equatorial e que as grandes variações de temperatura afetavam o funcionamento dos delicados motores. Recomendaram a utilização de nova tabela de potência, que elaboraram, e finalmente voltamos a POA com os resultados da consulta, e a nova tabela, que foi logo introduzida em nossa operação de vôo. Os resultados? Houve uma certa melhora, os motores deram menos pane, e a coisa ficou assim até a chegada do jato e a posterior venda dos Constellations. Coisas daqueles tempos e daquela tecnologia, que não tinha alternativa melhor.

Um comentário:

  1. Caro Sr. Rubens.
    Queria parabenizá-lo pela iniciativa de criar esse verdadeiro centro de história da aviação do Brasil, com foco especialmente na sua empresa. São histórias que nos fazem viajar. Tenho 64 anos e ainda estou na ativa voando Lear 55 C com algo em torno de 18 mil horas, Resido em Recife e lembro-me bem que quando era criança em 196263 ví um C 46 da Varig evoluir durante muito tempo com apenas uma roda da asa abaixada até que fez um pouso perfeito nos Guararapes numa manhã de sábado. Grandes tempos. Sou webmaster de um site inédito em lingua inglesa que aborda a Segunda Guerra no ambito do Atlantico Sul. Com mais de 3000 fotos e paginas com mapas e texto é uma fonte de pesquisa indispensável para todos os interessados naquele grande conflito.
    Visite-nos www.sixtant.net
    Um grande e afetuoso abraço.
    Cmte. Ozires Moraes

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