domingo, 10 de junho de 2012

26) A “toalete” nos aviões da VARIG

Junkers F-13

Quando comecei a voar nos antigos Junkers F-13, nenhum dos dois tinha toalete. Na cabine de passageiros, separada da dos pilotos, havia lugar para cinco pessoas, que tinham de enfrentar horas e horas de vôo muito sacudido, sem qualquer possibilidade de aliviar-se fisiológicamente. Essa possibilidade só existia quando nós pousávamos e nossos pacientes e denodados passageiros podiam recorrer, às vezes às pressas, às precárias instalações dos supostos “aeroportos”. Mas havia momentos de “aperto” em vôo, e para essas ocasiões a gente tinha que achar uma solução.

Certa vez eu voava de Uruguaiana a POA – um vôo longo para os F-13 – com cinco passageiros, quando um deles precisou urinar com urgência. Não sabia como fazer, e recorreu a mim, através de uma portinhola que havia na parede que separava as duas cabines. A empresa introduzira, como grande  progresso no tratamento aos passageiros, uma pequena sacola de lona ou couro na parede da cabine, que continha duas garrafas de água mineral e dois ou três copos grandes. Foi o primeiro ensaio do futuro “serviço de bordo” da VARIG.

Ante a solicitação do apertado passageiro, lembrei-me dos tais copos e consegui, com gestos e gritos, pois o avião era muito barulhento, convencê-lo a, na frente dos outros, urinar num dos copos, o que foi feito até a borda do mesmo. Como não havia onde colocar o copo cheio de urina até a borda, o ilustre passageiro teve que segurá-lo, cuidadosamente e enfrentando os solavancos do avião, até pousarmos em POA. Vejam só que tipo de passageiros nós transportávamos naquela época!

O primeiro “toalete” a bordo de aviões da RG aconteceu no velho Aceguá. Ele tinha, na traseira da cabine de passageiros, um apertado compartimento, onde mal cabia uma pessoa, com um balde solto que servia de latrina. Não havia mais nada, nem pia, nem água, nem papel higiênico nem toalha. Apenas o balde! Não sei se alguém algum dia usou esse recipiente, mas ele lá estava quando o avião foi vendido. Mais tarde vieram os DC-3, com algo mais parecido com um toalete de verdade. Era um compartimento mais amplo na traseira, com uma latrina solta no chão, com tampa. E uma pia onde se podia lavar as mãos. Eu tive ocasião de usar esse banheiro pelo menos uma vez. Voltava de Montevidéo para POA lotado de passageiros. Algum tempo após a decolagem, já em nossa altitude de cruzeiro, com céu limpo pela frente, senti súbita e urgente vontade de evacuar. Meu co-piloto era confiável e assim deixei-o pilotando o avião e fui à toalete, onde tirei as roupas e sentei-me na latrina.

De repente o avião entrou numa dessas turbulências de ar claro (CAT), sem nuvens, e a cauda onde eu estava começou a agitar-se violentamente, até que de repente a latrina virou e eu e minhas roupas caímos no chão repleto de urina e fezes. Quando cessou a turbulência, levantei-me, limpei-me o melhor que podia com a cueca, vesti-me com a roupa molhada e fedorenta, e saí às pressas pela cabine antes que os passageiros notassem meu estado. Na cabine de comando meus colegas estranharam meu estado e mau cheiro, mas não tiveram outra alternativa senão suportar o inconveniente até pousarmos em POA.

Quando voltei para casa, sujo e fedorento, nos transportes coletivos que usei (ainda não tinha carro) todos procuravam afastar-se de mim. Afinal cheguei em casa e pude tomar banho e mandar a roupa para lavar. Daí em diante, sempre hesitei muito antes de entrar numa “toalete” de DC-3. Finalmente chegaram aviões fabricados especialmente para transportar pessoas com conforto, e as toaletes passaram a ser adequadas.

Um comentário:

  1. Baita relato! Certamente um desafio grande para os aviadores de outrora.... Raphael Schumacher Bail

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