sábado, 2 de junho de 2012

7) O primeiro piloto contratado pela VARIG.

O “Xúnior”
Ao término da 1ª. Guerra Mundial, os alemães, a  despeito das restrições impostas pelo armistício, criaram uma empresa mercantil chamada Condor Lufthansa, cuja  finalidade era vender aviões que a indústria germânica viesse a produzir. Com esse objetivo, veio para a América do Sul um grupo de executivos e técnicos da Condor, trazendo dois aviões Dornier “Wal” para dez passageiros, hidroaviões monoplanos asa alta, com dois motores opostos, sobre as asas.

Voaram pela América do Sul até a Colômbia, onde ajudaram a fundar uma empresa de transporte aéreo (a primeira da América Latina), cujo nome era SCADTA (Sociedad Colombo-Alemana de Transportes
Apéreos) e que existe até hoje com o nome de Avianca. Venderam à SCADTA seu primeiro avião, um Junkers F-13 com flutuadores, pois voava sobre um rio e não havia aeródromos (aliás muito poucos ao redor do mundo naquela época; por isso predominavam os hidro-aviões)

Depois da Colômbia os alemães, com os dois aviões que haviam batizado com os nomes de Atlântico e Pacífico, em homenagem aos dois oceanos perto dos quais estavam, na América Central, seguiram para o bnorte até Miami, na esperança de vender aviões aos norte-americanos, o que não se concretizou. Seguiram então pela costa atlântica da América do Sul até Buenos Aires, onde também nada conseguiram vender. Lá, no porto, estavam os dois aviões amarrados. Numa noite houve uma tempestade muito forte e um dos aviões, o Pacífico, foi seriamente avariado e, portanto, abandonado. Parece que esse avião, reconstruido de certa maneira, está hoje num museu aeronáutico argentino na cidade de Mar Del Plata, pelo menos é o que ouvi.

Assim, partiram os alemães de Buenos Aires para o Rio de Janeiro, com somente o avião restante, o Atlântico. No Rio encontraram-se com outro alemão, Oto Ernst Meyer, antigo oficial do exército alemão na Guerra, que tivera experiência como observador de artilharia a bordo de aviões. Apesar de não ter sido aviador, Meyer ficara impressionado com as potencialidades do vôo, e viera para o Brasil contaminado com o micróbio da aeronáutica e disposto a promover a fundação de uma empresa de transportes aéreos. Fez várias tentativas mas somente encontrou eco no Rio Grande do Sul, onde um grupo de capitalistas dispôs-se a colocar seu dinheiro em ações da hipotética empresa aérea.

Com a presença dos alemães da Condor no Brasil, Meyer pode fazer um “arreglo” com os mesmos, de tal forma que os alemães participariam como acionistas entregando seu avião como pagamento das ações e dando suporte técnico  `a futura e esperançosa Viação Aérea Rio Grandense, ou VARIG para os íntimos.

No grupo alemão havia um jovem piloto, egresso das lutas aéreas da Luftwafe, que aspirava participar como piloto de toda essa aventura. Como ele era provavelmente barato e potencialmente capaz, a VARIG contratou-o como piloto, sendo ele, portanto, o primeiro aviador contratado e pago pelo VARIG. Ele se chamava Nüelle, e ficou por aqui, simpático e sorridente, exercendo suas funções a contento.

Em 1930 ou ao redor disso, a VARIG estava quase falida, com seu único avião, o Atlântico, com o casco seriamente danificado e incapaz de continuar voando, pelo que foi provavelmente transformado em panelas e frigideiras via ferro-velho. Em desespero, Meyer procurou o Governador do Estado (se não estou errado, era o General Flores da Cunha) e conseguiu convencê-lo a que o Governo participasse do capital da VARIG, assegurando assim a existência daquela iniciativa pioneira em todo o Brasil e tão importante para o RGS. O Governo então passou a ser acionista da RG, importando para a empresa dois aviões Junkers F-13, dois Junkers Júnior (ou xúnior como diziam os alemães), e um Messerschmitt.

O aviador Nüelle voava esses aviões. Um dia decolou de Rio Grande para Porto Alegre num dos “Xúnior” transportando correio. O Júnior era um aviãozinho venenoso, mono-plano asa baixa, com um motorzinho de 50 HP que só funcionava quando (às vezes) queria. Era todo metálico  e pesado para seu fraco motor , tendo o mau hábito de estolar quando menos se esperava. Cheguei a voar nessa armadilha pelas colinas do Rio Grande, onde levei alguns bons sustos.

Pois nosso amigo Nüelle decolou de Rio Grande e pouco depois teve uma pane de motor que o obrigou a fazer um pouso de emergência em más condições, no qual o avião foi destruído e ele teve uma grave fratura exposta numa das pernas. Ficou deitado junto ao avião, à espera de um eventual e problemático socorro, por pelo menos 48 horas, numa campina deserta, sem água ou comida, exposto ao frio, ao vento e à chuva. Quando afinal foi salvo e conduzido a um certamente precário hospital, a perna tinha gangrenado e foi amputada.

Nüelle deixou naturalmente o vôo, colocou uma prótese mecânica na ex-perna e, como era um ótimo mecânico, montou uma oficina de tornearia na cidade de Canoas. Sem se deixar abater pelo infortúnio e pela perda da profissão, fez carreira como torneiro e progrediu satisfatoriamente, fazendo muitas e boas amizades no ambiente gaúcho onde vivia.

Ele fora, no início da carreira, empregado da Condor Lufthansa. Com o fim da segunda guerra mundial, essa empresa transformou-se na famosa e poderosa transportadora Lufthansa. Não se sabe como, lá pelos anos 1970, algum executivo bem intencionado da Lufthansa descobriu em Berlim que o Nüelle existia e que fora funcionário da antiga Condor. Pois a Diretoria da DLH providenciou para que Nüelle fosse para a Alemanha, deu-lhe uma generosa aposentadoria e casa para morar. O velho guerreiro, agradecido e sempre bem humorado, fechou seu negócio em Canoas e voltou à terra natal. Mas seus amigos estavam todos no Brasil, e por isso, como a DLH lhe concedia passagens, ele vinha regularmente até aqui, visitar os amigos. Ele costumava dar uma chegada na VARIG, onde eu tive a oportunidade de conhecê-lo e apertar suas mãos antes que ele saísse, claudicando, pela porta por onde entrara, simbolicamente, tantos antes.

4 comentários:

  1. As fotos dos aviões antigos foram cedidas gentimente pelo Cmte. José Geraldo de Souza Pinto, do livro do seu pai - Lili Lucas de Souza Pinto: Assim se voava antigamente.
    Sérgio

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  2. Meus Parabéns Cmdt, que Vsª tenha Saúde em abundancia e felicidades

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  3. eu tive o prazer de conhecer este piloto

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