Comentários sobre o PECADO, o assim
chamado JUIZO FINAL e a VIDA, de um modo em geral.
Admitindo a hipótese de que a humanidade em seus
primórdios, há muitos tri-bilhões de anos, tenha sido constituída de apenas um indivíduo
(Adão, talvez ?), o comportamento desse indivíduo nenhuma importância tinha,
pois ele só prestaria contas de seus atos a si mesmo, não havendo mais ninguém
a quem se justificar e não tendo sido, ainda, inventado o tribunal que julgaria
seus atos, nem o “pecado”, que seria algo relacionado com a presença de
terceiros ainda não existentes.
À medida em que, porem, a humanidade passou de um
para dois, três e depois muito mais indivíduos, o comportamento de cada um
deles passou, de uma forma ou de outra, a afetar, por bem ou por mal, a vida
dos demais indivíduos, ou da coletividade. Supõe-se que uma Divindade
Superior, que fiscalizaria a vida dos humanos neste planeta (e onde mais
pudesse interessar !), preocupada com o bem estar da coletividade humana, tenha
inteligentemente elaborado um código de normas de conduta para os humanos,
estabelecendo por escrito o que poderiam ou não poderiam fazer em termos de
conduta. Foi assim inventado o “pecado” que foi o nome dado à violação de uma
ou mais dessas normas de conduta – as quais, a propósito, passaram a chamar-se,
em alguns círculos, de “Dez Mandamentos”. Elas poderiam ser quinze ou vinte, ou
cem, mas para a época parece que dez bastavam.
Esse código de conduta, às vezes não é muito claro.
A obediência ao mesmo está presa, em última análise, à interpretação dos
usuários. Vejamos um exemplo: Há um mandamento que diz (aos homens e não às
mulheres) que é pecado cobiçar a mulher do próximo, a qual, subentende-se, é
muito cobiçável. Esse mandamento parece ter sido inspirado no ditado que diz
que a gente sempre acha que a galinha do vizinho é mais gorda do que a sua,
isso, claro, partindo do princípio de que na época em que a Divindade elaborou
os Mandamentos, já havia galinhas na morada dos deuses.
Voltando ao pecado de cobiçar a mulher do próximo:
entende-se em algumas rodas de supostos pecadores, que “próximo” significa ali
presente, nas proximidades. Assim, se o marido viajar para a China, por
exemplo, ele estará por algum tempo bem longe e, portanto, não será “próximo”.
Cobiçar sua mulher (que é boa, parece), deixará de ser, portanto, um
pecado ? Há quem pense assim, e o assunto , logo, merece ser entregue a uma
comissão de doutos, com presidente e secretário, e um prazo de seis meses para
apresentar uma conclusão sobre se é pecado ou não essa coisa, como se costuma
fazer em alguns países que conhecemos.
Segundo se diz em alguns círculos religiosos, nosso
corpo na Terra está equipado, certamente por iniciativa da suposta Divindade,
com algo inidentificável, que acompanha cada um de nós por toda nossa vida, e
que apressa-se a pular fora de nosso corpo assim que dermos nosso último
suspiro, provavelmente com receio de ser enterrada ou cremada junto conosco.
Essa “coisa” não pode ser detectada por nossos cinco ou mais sentidos
terráqueos, pois não tem cheiro nem gosto, não é visível nem audível e não pode
ser tocada. Chama-se “alma” e sua missão, ao que parece, é testemunhar e
registrar todos os nossos atos, sejam eles tipo “good guys” ou “bad guys”, como
se diria em Hollywood. Assim, quando liberada de nosso corpo, a alma que nos
acompanhava sai em disparada pelos confins do universo, em direção a uma “sala
de espera para almas” que existiria em lugar desconhecido para os viventes, mas
misteriosamente conhecido pelas almas errantes, que se chamaria “purgatório”.
Não se sabe como as almas encontram esse desconhecido lugar, porem é válido
supor que utilizem algum elaborado sistema de navegação celestial, talvez um
GPS ou um inercial adaptados.
Nessa “sala de espera”, as almas ficam aguardando
uma decisão divina sobre quando ocorreria um julgamento, no qual todas elas
seriam réus, prestando contas a um Juiz Supremo, sobre os atos, bons ou maus,
que os respectivos seres humanos haviam cometido durante sua permanência na
Terra. É interessante notar que esses atos haviam sido da autoria dos corpos
dos humanos e não de suas almas, que eram apenas espectadoras; e no entanto,
injustamente, as almas é que eram submetidas a julgamento!
O Julgamento, ou “Juizo Final”, como o nome diz, é
algo para ocorrer no fim ou término de tudo, entendendo-se por isso,
supostamente, o fim do Universo com tudo o que ele possa conter. Há porem a
hipótese de que esse “final” se refira tão somente aos habitantes da Terra e
não ao Universo como um todo. Significaria, digamos, ao término da Humanidade,
e não necessariamente ao de todas as espécies vivas deste planeta. Assim, as
almas de todos os humanos existentes no momento, e de todos que já haviam
habitado a Terra desde Adão, deveriam reunir-se na tal “sala de espera
celestial”, e submeter-se ordeiramente ao julgamento e à sentença de um Juiz
auto-escolhido, sem apelação.É de espantar que todos esses milhões e milhões de
almas estivessem agrupadas no mesmo espaço cósmico, porem é preciso lembrar que
as almas não têm dimensão, pelo que esse mundaréu existente no Purgatório
caberia num dedal (se é que o leitor sabe hoje o que um “dedal!”).
O Juiz Supremo, feito o julgamento, atribuiria a
cada alma, dependendo da conduta do vivente no qual ela “morava”, uma
sentença que poderia ser ou partir para o Paraiso, um local sumamente
privilegiado no cosmos, onde se passava a eternidade deliciando-se com ambrosia
e hidromel (segundo alguns autores), paquerado pelas onze mil virgens que dizem
ali existir. Ninguem sabe onde fica esse “Paraiso”, porem os antigos terráqueos
achavam que o céu era a “morada dos deuses”. Hoje se sabe, no entanto, que no
céu só existem nuvens, aviões e um ou outro urubu nas grandes altitudes. A
vantajosa ida para esse Paraiso era concedida, naturalmente, àquelas almas dos
humanos considerados “bonzinhos”.
As almas dos maus elementos eram, encaminhadas para
outro local cósmico chamado de “Inferno”, um lugar muito ruim, capitaneado por
um ser de muito maus bofes, chamado Satanaz, que passava seu tempo judiando com
as pobres almas. Ele era tão mau, mas tão mau mesmo, que segundo dizem
costumava colocar uma alma numa velha e desconfortável cadeira de dentista,
fazer magicamente aparecerem na mesma uma boca com duas filas de dentes
cariados e com os nervos expostos, e divertir-se executando tratamento de
canais sem anestesia e com ferramentas velhas, enferrujadas e sem fio. Outro
passatempo que divertia o danado do Satanaz, era apresentar a uma pobre alma
uma cobrança de um gigantesco imposto de renda, já vencida e com multa e
correção monetária! Só restava à vítima exclamar, em desespero de causa: “Com
os diabos !”
Pecar, então, é violar pelo menos uma das normas de conduta
estabelecidas arbitrariamente pela Divindade (que eu saiba, ninguém foi
consultado !) às quais estão subordinadas todas as criaturas humanas deste
planeta, enquanto vivas. Não se cogitou de incluir as espécies animais, apesar
de também estas terem vida, por que ficou estabelecido que os animais não têm
alma. Assim, um gafanhoto ou um rinoceronte têm vida mas não estão sujeitos a
qualquer código de conduta, preocupando-se somente com a sobrevivência sua e de
sua espécie Nunca se ouviu falar no “pecado” de um gafanhoto !
E como os seres
humanos tomaram conhecimento dessas normas (ou mandamentos) criadas pela
Suprema Divindade, considerando o fato de que na época em que foram editadas
não havia imprensa, rádio ou televisão ? Ora, muito simplesmente: foram ditadas
pela Divindade a um indivíduo que tinha esse privilégio de escutar deuses, ao
que consta no alto de uma montanha, certamente para estar mais perto da
Divindade que morava nos céus (pelo menos à época) e assim melhor poder
escutá-la. Esse ditado foi transcrito de alguma forma não sabida e
convenientemente divulgado para vigorar para todo o sempre, pelo menos entre
aqueles que aceitam essa crônica como válida.
Há, porem, uma respeitável quantidade de seres
humanos que, aparentemente, não aceitam esses mandamentos, e que frequentemente
violam as regras estabelecidas nos mesmos, incorrendo, assim, supostamente,
numa situação de “pecado”. Só no Brasil, pelo menos são assassinadas umas
trinta ou quarenta pessoas por dia, a despeito de existir um “mandamento” que
diz categoricamente: “Não matarás !” Isso sem falar nas guerras que ainda andam
por aí, nos atentados, no terrorismo em geral. Somos forçados, nós os
terráqueos, a concluir que no que toca a “mandamentos”, “pecados”, “juízo
final” e quejandos, o ser humano e sua alma (se ela existe) , de um modo em
geral, não teme mais tanto as judiarias de Satanaz, certamente por “una de
três” (como diriam nossos vizinhos uruguáios) razões, a saber:ou não se
acredita mais nem em alma nem em Satanaz, ou Satanaz existe mesmo e está usando
seu poder para tornar o ser humano cada vez pior, a despeito do que possam
pensar os deuses bonzinhos, ou a “vida” está ficando cada vez mais
desvalorizada entre todos nós, a ponto de que um molecote de 14 ou 15 anos de
idade, sem eira nem beira, ignorante e burro, achar-se no direito de tirar a
vida de outrem, geralmente uma pessoa considerada “de bem”, sem hesitar e sem
qualquer motivo plausível Ah! Existe uma quarta hipótese: Talvez Satanaz esteja
velho demais, com sua conhecida maldade atenuada pelos éons que se passaram, e
que passe seu tempo sentado, com uma ou outra alma nos joelhos, contando velhas
e gastas histórias que já não atemorizam ninguém, salvo as criancinhas, como as
histórias do bicho-papão !
E já que falamos em “vida”, o que é isso ?
Parafraseando meu falecido sogro, Dyonélio Machado, eu diria que a vida é um
mistério entre duas tragédias. Sim, porque o nascimento é uma tragédia, pois o
bebê tem que abandonar o conforto e a tranqüilidade do útero materno, onde não
tem preocupações e tudo lhe é fornecido de graça, e invadir, chorando por
reconhecer que isso é uma tragédia, um mundo hostil, onde ele percebe pela
primeira vez que não é imortal, como poderia pensar. A outra tragédia que
limita a vida é a indesejável morte (pelo menos para alguns), que põe um fim no
mistério da vida!
Quando começa a “vida” ? Nos seres humanos, ela
depende da conjunção de um códico bio-genético masculino com um feminino, em
ambiente adequado. O espermatozoide penetra através das paredes do óvulo
e aí ocorre uma reação quimio-biológica que gera a vida dentro do útero da
mulher. Mas essa reação, a meu ver, precisa ser acompanhada por uma “centelha”
vital que é como um mecanismo de “start” que provoca o desencadear de um
processo evolutivo que faz com que se desenvolvam os órgãos internos da
criatura que vão assegurar a continuidade da recém-iniciada “vida”É como se
esses órgãos, em desenvolvimento, recebessem um impulso biológico para
continuarem funcionando adequadamente até a falha de um dos mais importantes,
como o coração, quando, então, tudo terminaria. É interessante notar que a vida
aparentemente começa ANTES de existirem os órgãos vitais do corpo, ou seja,
parece que a vida nessa fase inicial independe do funcionamento dos futuros
órgãos, que nesses momentos existem apenas em uma provável programação genética.
O ser humano, face a essas e muitas outras
interrogações cosmológicas, tem recorrido a pseudo-soluções místicas,
atribuindo a entidades improváveis a solução dos mistérios do universo e da
vida, que continuam sendo mistérios. Resta ver.