sexta-feira, 22 de junho de 2012

46) Um pai extremado

DKW 1936

Vou contar aqui três histórias que nada têm a ver com aviação, mas que são interessantes. Trata-se da conduta de meu pai face a certas situações de seus dois filhos, eu e meu irmão mais moço. Meu pai era amável, cordato, bem intencionado, tinha uma grande facilidade em fazer amizades e por isso era muito benquisto em vários círculos da cidade onde morávamos, Porto Alegre, RS. Em 1937 ou 1938 nós morávamos no bairro da Glória, na rua Cel. Aparício Borges, bem no topo de uma colina onde se estendia essa rua, havendo, portanto, uma ladeira de nossa casa para qualquer dos lados da rua, uma até a linha do bonde Glória e outra na do bonde Partenon.

Sempre que alguém de nós saía de casa para ir à cidade, por exemplo, tinha que caminhar pouco mais de um quilômetro ladeira abaixo até os trilhos do bonde, e voltar ladeira acima até nossa residência. Meu pai tinha um pequeno automóvel DKW, importado da Alemanha que ele usava para ir a algum lugar. Eu e meu irmão tínhamos que caminhar aquele quilômetros, pois não havia outro jeito. A partir de uma certa época, porem, como nós regressávamos para casa à noite, nosso pai adotou a seguinte prática: Saia de casa no DKW, descia a ladeira até a linha do bonde Glória e por ali estacionava o DKW, aberto e com a chave na ignição, para que “os meninos” não tivessem que subir a ladeira a pé. Ele, porem, o fazia, deixando o carro para nosso uso! Note-se que nessa época não se roubavam carros em POA. O DKW ficava ali, aberto e com a chave na fechadura, horas a fio, à nossa disposição.

Outro caso a narrar: Meu irmão mais moço entrou para o Exército para obter seu certificado de reservista. Para isso tinha que submeter-se às práticas normais do treinamento militar, o que incluía Ordem Unida, marchas, tiro ao alvo e acampamentos, o que preocupava meu pai em função das “agruras” pelas quais estaria passando seu filho querido. Certa vez a tropa de meu irmão deslocou-se para um local algo distante da cidade, acampando à margem do rio Guaíba, num local aprazível onde havia um bosque. A tropa acampou, instalando as pequenas barracas onde os soldados dormiriam sobre qualquer tipo de revestimento no solo. Havia portanto um certo grau de desconforto, mas que fazia parte do exercício e era perfeitamente suportável pela rapaziada. Pois meu pai, muito preocupado, comprou um colchão confortável, amarrou-o na tolda do DKW e lá se foi, andando uns 30 km numa estrada ruim, até o acampamento dos soldados, onde, para constrangimento e desespero de meu irmão, entregou o colchão ao filho-soldado, provocando risos e troças dos colegas.

Mais uma de meu “velho”: Já morávamos na Av. Independência, na casa de meu avô materno. Eu tinha um pequeno grupo de amigos que tocavam alguns instrumentos tais como acordeon (eu), violões, etc. Reuniam-nos, principalmente aos fins de semana, quando tocávamos em aniversários de gurias que conhecíamos, ou fazíamos serenatas pelas ruas desertas de Porto Alegre, na alta madrugada, para as garotas pelas quais tínhamos algum interesse. A coisa se estendia até 4 ou 5 horas da manhã, quando então íamos comer pães recém feitos, e tomar café, na antiga e tradicional Confeitaria Rocco, que infelizmente não existe mais. Muitas vezes íamos a pé, percorrendo muitos quilômetros, com o entusiasmo e a energia da juventude. Mas às vezes, por uma ou outra razão, decidíamos ir de carro, usando para isso o vetusto DKW de meu pai. Era, porem, uma ação clandestina, desconhecida de meus pais que à 1 ou às 2 horas da madrugada estariam dormindo, de nada sabendo. Voltaríamos antes deles acordarem, e tudo ficaria entre nós. Uma noite que estávamos de saída, abrimos as portas da garage, e começamos a empurrar o DKW para fora, com a intenção de fazê-lo descer a ladeira da rua sem ligar o motor para não fazermos ruídos. Em dado momento, porem, dessa “traquinada”, enquanto eu e amigos empurrávamos o DKW, vi com espanto e incredulidade que um dos “empurradores“ do carro era meu próprio pai, de pijama e chinelos. Ele se associava às escapadas dos “meninos”, ajudando a tirar o carro sem fazer barulho, para não acordar minha mãe que era mais “durona”! Incrível, não?


Nenhum comentário:

Postar um comentário