domingo, 24 de junho de 2012

48) Um baiano credor da REAL

Quando eu e meus companheiros de Direção assumimos o controle e administração do Consórcio REAL, em 1961, no aeroporto de Congonhas, em SAO, começamos a tomar conhecimento da real situação econômica e financeira das empresas que a VARIG comprara. Essa situação era caótica, quase falimentar.

Pode-se dizer que a VARIG comprara a REAL num impulso de Ruben Berta, sem uma devida e minuciosa avaliação prévia. Que, se essa avaliação tivesse sido feita, a RG não teria comprado o Consórcio. Isso pode ser verdade, porem existe uma história que teria sido contada pelo próprio Berta, de que ele recebera uma mensagem do Presidente Jânio Quadros, muito amigo de Lineu Gomes ao que se dizia, de que “ou a VARIG comprava a REAL, ou ele, Jânio, criaria a AEROBRAS!“. Essa teria sido uma temida ameaça a Ruben Berta, que era o principal opositor à idéia da Aerobras, a qual passaria a ser uma estatal que encamparia todas as transportadoras brasileiras, incluindo naturalmente a VARIG, e que na opinião de Berta e outros representaria o fracasso do transporte aéreo no Brasil. Se isso foi verdade ou não, o fato é que a REAL estava praticamente falida e coube a nós, os enviados da VARIG, salvá-la da insolvência.

Arregaçamos as mangas e começamos a trabalhar. Reajustamos as linhas, com melhor aproveitamento, melhoramos a condição dos aviões com peças emprestadas pela VARIG, economizamos no que foi possível, e assim, paulatinamente, começamos a pagar as inúmeras dívidas e a melhorar o conceito das empresas, que estava abaixo das críticas.

Havia casos como o que exemplifico: A REAL tinha uma linha para Miami, que executava com aviões Super H. Um dia um desses aviões foi embargado pela justiça de Miami, ficando lá retido, para eventual pagamento de dívidas que a REAL tinha com empresas locais. Tivemos que, às pressas, arranjar o dinheiro para pagar tais dívidas e liberar o avião. Daí em diante, só mandávamos a MIA aviões Super G da VARIG.

Alguns anos antes de tudo isso, antes da venda da REAL, um rapaz baiano chamado Benedito, moreno, razoavelmente bem apessoado, na falta de coisa melhor para fazer em sua terra, emigrou para São Paulo à procura de emprego. Como tinha certas habilidades, empregou-se na REAL, como auxiliar de mecânico e começou a aprender o “metier” aviatório. Ao cabo de algum tempo, num período de férias, conseguiu uma passagem gratuita nos aviões da REAL que iam a Miami. Embarcou quase sem bagagem, com muito pouco dinheiro, sem saber o que o esperava e sem falar uma só palavra em inglês. Miami nessa época ainda não tinha recebido a invasão cubana, e nem ao menos espanhol se falava, apesar de que Benedito também não falava o espanhol, como bom baiano.

Ele era, porem, esperto e ativo e apesar de tudo conseguiu empreguinhos aqui e ali, principalmente em postos de gasolina e algumas oficinas de automóveis. Com isso punha algum dinheirinho nos bolsos e conseguia alojar-se em locais humildes e comer o suficiente. Mas Benedito era irrequieto e por isso começou a andar na direção oeste em geral, quase sempre pela grande estrada americana que atravessa o país do Atlântico ao Pacífico, apanhando caronas aqui e ali. Finalmente, após alguns meses de andanças, chegou a um lugarejo que era habitado e pertencia a uma tribo de índios peles-vermelhas. O cacique era praticamente o dono da terra, onde por sorte haviam descoberto petróleo, e fora feito um acordo com uma empresa petrolífera, pelo qual eles exploravam o petróleo e os índios, mormente o cacique, recebiam gordos dividendos. O rico cacique tinha uma filha, que em última análise era a herdeira de toda a grana.

Benedito (e agora já Benny), empregou-se num posto de gasolina e veio a conhecer a tal índia que afinal apaixonou-se pelo baiano. Casaram-se e Benny que era analfabeto mas não burro, foi para Los Angeles e com ao grana da índia fundou no aeroporto de LA uma empresa que fazia manutenção de aviões de terceiros e vendia peças. A coisa progrediu, a empresa cresceu e um dia chega a LA um Super H da REAL em pane. A firma de Benny atendeu o avião e com isso a REAL tornou-se freguesa da mesma, fazendo ali a manutenção de seus Super H que iam a Tóquio.

A conta da REAL na firma de Benny foi crescendo sem que a REAL pagasse qualquer coisa. Assim, quando Benny soube que ela fora vendida para VARIG criou esperanças de receber seu dinheiro, arrumou as malas e tocou-se para SAO, acompanhado por dois capangas e algumas caixas de uísque escocês, de que ele gostava muito. Chegou a SAO e em Congonhas procurou a Diretoria da REAL, ou seja, eu. Recebi Benny cordialmente, entrando ele em meu gabinete sorridente e amável. Analisamos a situação da dívida (que não era “bem” o que dizia ser) e firmamos um acordo pelo qual pagaríamos a divida com uma entrada e algumas parcelas, com o que ele ficou muito satisfeito, assinando o acordo com uma cruz. Nos despedimos cordialmente, sendo que Benny convidou-me para ir a LA hospedar-me em sua casa palaciana. Agradeci, mas nunca cheguei a ir. Ele partiu de SAO com seus capangas e o que sobrara do uísque, e nunca mais o vi. Nessas alturas a linha de Tóquio já estava sendo realizada com os 707 da RG, e a empresa havia montado em LA seu próprio serviço de manutenção, de modo que não foram mais usados os préstimos de Benny. Figura muito interessante, o Benny.

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