sábado, 2 de junho de 2012

8) O vazamento d’água.

O Aceguá

 Lá por 1943, a VARIG tinha dois Junkers F-13, um Messerschmitt “Aceguá” de dez passageiros, um “Xúnior” e dois aviões estranhos comprados no Rio de Janeiro, um biplano bimotor De Havilland e um monoplano asa baixa da marca Fiat,ambos para 5 ou 6 passageiros. Os alemães F-13 e Aceguá tinham motores refrigerados a água. Mas como estavam velhos e não havia peças de reposição devido à guerra na Europa, as camisas dos cilindros dos motores estavam corroídas pela ferrugem e vazavam água continuamente, apesar dos constantes consertos que eram feitos.

Abastecer d’água os radiadores desses aviões em cada escala era coisa comum e esperada. Num dia, porem, decolei de POA com o Aceguá, tendo como co-piloto o “velho” Greiss e mais dez passageiros. Logo nos primeiros dez minutos de vôo observei que o indicador da quantidade de água no motor, que existia sobre o nariz do avião, estava mostrando que tínhamos um vazamento de grandes proporções e que o radiador estava quase vazio. Precisava pousar o quanto antes, caso contrário o motor poderia fundir-se e obrigar-me a um pouso de emergência certamente crítico.

Estava próximo à pequena cidade de Tapes, à beira da Lagoa dos Patos, onde havia, sabia-o eu, uma antiga e pequena pista de pouso construída ao tempo da Aviação Militar. Dirigi-me logo para lá, pois era a única pista de pouso, mesmo precária, que existia, alem da vantagem da existência de água na lagoa.

Localizei a pista, pousei o Aceguá sem problemas e encostei-o próximo à beira da lagoa. Havia vento e estava frio, mas não havia remédio senão ir lá buscar água pessoalmente, pois Greiss era velho demais para essas aventuras e preferiu ficar no avião. Saí de meu posto, fui à cabine explicar aos passageiros o que estava acontecendo, o que eles aceitaram pacientemente e com a coragem e a boa vontade que caracterizavam os passageiros daqueles tempos heróicos. Havia uma única vasilha a bordo: Um balde que fazia às vezes de latrina no pequeno compartimento que havia na cauda do avião e que servia de pseudo-toalete. Apanhei o tal balde, tirei as roupas ficando só de cuecas na frente dos tolerantes passageiros, e saí para fora entrando na lagoa até a cintura para lavar e encher o balde. Depois subi com alguma dificuldade até a tampa do radiador e despejei o balde da melhor maneira possível. Tive que fazer umas três viagens para completar o nível da água e por fim secar-me como pudesse para, enfim, acionar o motor e decolar rumo a Pelotas. Logo adiante, porem, o radiador estava novamente quase vazio, e novo pouso inesperado tive que fazer noutra pistinha improvisada que existia à margem do rio Camaquã. Afinal, depois dessas duas escalas imprevistas e perigosas, chegamos a Pelotas, onde pudemos obturar de maneira precária os furos nos cilindros, de modo a poder retornar a POA num vôo “sem escalas”.

Em Porto Alegre, junto à Diretoria da empresa, fiz um tremendo barulho contra o uso perigoso daquele velho e carcomido avião, que punha em constante risco as vidas dos passageiros e de nós tripulantes. A “zoeira” deu resultado e o velho Aceguá foi vendido para um “ferro-velho”, virando certamente panelas e frigideiras de alumínio, nas quais não oferecia risco de vida a seus usuários.

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