sexta-feira, 15 de junho de 2012

34) Acidentes


Tivemos, tanto na RAN quanto na RAI, infelizmente, alguns acidentes aviatórios. Claro, houve também acidentes antes da compra da REAL e, também depois da divisão RAN/RAI. O acidentes de avião são inevitáveis. Aviões e as pessoas que os mantém e pilotam, não são aves, que voam por compulsão genética. Nunca se ouviu falar de um acidente de ave (salvo na caça, evidentemente), seres que os humanos vêm tentando emular há muito tempo, não tendo conseguido, à perfeição, até hoje. Os aviões são máquinas que, como todas as máquinas, falham, deixam de funcionar adequadamente. Os humanos não são máquinas mas estão sempre sujeitos a falhas, a deficiências de treinamento, a erros por burrice ou má interpretação disto ou daquilo. Mesmo com o vertiginoso avanço da tecnologia aeronáutica, com o aparecimento das turbinas, que fizeram com que o fantasma da pane de motor do passado, praticamente ficasse reduzido a uma pequena e modesta preocupação, mesmo com o treinamento aprimorado e rigoroso das tripulações e de outras pessoas envolvidas nos vôos, mesmo assim a possibilidade de ocorrerem acidentes ainda existe e existirá. Se por um lado as coisas se aperfeiçoam e aumentam a segurança no transporte aéreo, por outro o vertiginoso aumento da quantidade de aviões nos céus de todo o mundo, faz com que a chance de haverem acidentes cresça proporcionalmente. Infelizmente, pois não?

Como disse acima, tivemos alguns acidentes no período “pós RAN/RAI”, alguns mais ou menos, outros muito graves. Vou falar de um deles apenas, pois se revestiu de certas circunstâncias especiais. Trata-se do acidente com um avião Caravelle, em Brasília, DF.

O vôo saía de POA com destino a Brasília, escalando em SAO e RIO. Os dois pilotos eram um instrutor, portanto solo no avião, e um outro Comandante, em treinamento no Caravelle. Eu era passageiro desse vôo, indo para SAO, onde vivia e trabalhava.O vôo transcorreu normalmente de POA a SAO, mas na aproximação para o pouso na pista 34 de Congonhas, notei, de minha posição na cabine de passageiros, que o avião estava alto demais em relação à pista. Pensei em ir à cabine de comando e fazer uma observação aos pilotos, mas não houve tempo. O avião precipitou-se ao solo de uns dez metros de altura, com tal choque contra o trem de pouso, que alguns passageiros começaram a gritar e em geral a bagagem que estava nos compartimentos acima de suas cabeças caiu com estrondo sobre os mesmos e o chão do avião. Foi uma situação caótica, que felizmente não machucou as pessoas.

Eu era, então, Vice Presidente da VARIG, e portanto a maior autoridade da empresa a bordo. Alem disso, essa área de pilotagem, treinamento e segurança, tinha sido minha área de ação na RG, antes da compra da REAL. Dirigi-me imediatamente à cabine de comando, e interpelei os pilotos, mormente o Instrutor. Disseram-me que o aluno estava pilotando e que tivera um problema visual ao aproximar-se da pista, julgando mal a altura do avião em relação ao solo, pois antes do vôo fizera um exame de olhos e tivera suas pupilas dilatadas pelo médico.

Aceitei a explicação em termos, já que eu tinha pessoalmente bastante experiência de exames de olhos com pupilas dilatadas. Em todo o caso, tomei algumas providências: Interditei o avião para que fosse feita uma rigorosa inspeção na estrutura, especialmente trem de pouso, encaminhando os passageiros para o restaurante do aeroporto, onde aguardariam o resultado da inspeção, e dei expressas ordens aos dois pilotos, no sentido de que trocassem de lugar, e que a partir de SAO até Brasília, o avião fosse pilotado pelo Instrutor, atuando o aluno como co-piloto. A inspeção foi feita, o avião foi liberado pela Manutenção, os pilotos trocaram de lugar como eu mandara, os passageiros embarcaram e tudo funcionou a contento até o pouso no Galeão. Lá, contrariando minhas ordens, o aluno “cantou” o Instrutor para que o deixasse sentar à esquerda e pilotar o avião até Brasília. Alegou que estava melhor da vista, e ante isso, infelizmente, o Instrutor capitulou, desobedecendo também minhas ordens expressas.

Decolaram do Galeão e seguiram para Brasília. Lá, a pista de concreto começava com um “degrau” de um meio metro de altura, logo após uma faixa de terra anterior e mais baixa do que a pista. Pois na aproximação o piloto aluno pousou antes da pista, na faixa de terra, chocando violentamente seu trem de pouso com o tal degrau de concreto, fazendo com isso com que o trem fosse arrancado e que o avião deslizasse na pista “de barriga”, pegando fogo, até imobilizar-se algumas centenas de metros à frente.

Houve pânico, naturalmente, e os comissários trataram de abrir portas e janelas para que os passageiros saíssem daquele inferno de chamas o mais depressa possível. Estava a bordo o Governador Leonel Brizola que, segundo constou, ajudara alguns passageiros a escaparem. Não sei se isso realmente aconteceu, mas foi o que se disse na ocasião. Houve, porem, uma heroína, de fato e comprovadamente. Tratou-se de uma Comissária do vôo, de nome Teresinha, uma menina do interior do RGS que alguns anos antes trabalhara comigo na Diretoria de Ensino. Teresinha um dia desejou tentar o vôo como Comissária, eu a liberei, ela candidatou-se, foi aprovada e começou a voar, tornando-se uma Comissária competente e dedicada. Pois nesse acidente Teresinha entrou mais de uma vez na cabine em chamas, retirou passageiros, ficou bastante queimada, foi internada em hospital. E afinal, por seu ato comprovado de heroísmo, recebeu do Congresso Nacional uma condecoração especial e rara.

Na chefia dos Comissários da RG havia uma prática um tanto antipática. Quando as Comissárias estavam prestes a completar dez anos de serviço, e portanto mais velhas e menos atraentes, já que com dez anos tornavam-se “estáveis” e só podiam ser demitidas por justa causa, num complicado processo na justiça do trabalho (aliás como todo funcionário, naquela época, segundo a lei), eram sumariamente demitidas. E foi o que aconteceu com a Teresinha! A despeito de seus antecedentes, de seu heroísmo, de sua medalha, foi demitida sem mais aquela. Quando eu soube do ocorrido (eu estava em SAO) fiquei revoltado e disposto a cooperar para corrigir aquela injustiça. Usando minha influência, pude ajudar na readmissão da heroína, “com armas e bagagens”. Teresinha deixou o vôo (pudera !) e foi trabalhar numa área administrativa em POA, até se aposentar.

Tive ocasião de vê-la uma única vez após isso tudo, num almoço dos aposentados em POA. Ela estava muito bem, bonita, simpática,  alegre e até, de certo modo, rejuvenescida ! Nunca mais tive notícias da garota do interior que trabalhou comigo no Ensino! Onde estás, Teresinha?

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