sexta-feira, 13 de julho de 2012

58) Cães especiais

Durante toda minha vida possui cães de várias espécies, porem predominantemente pastores alemães. Pretendo comentar situações que vivi com alguns deles, que considero especiais por uma ou outra razão. Assim, começo com um cão que ganhei de um tio-avô, quando tinha aproximadamente 10 anos de idade. O velho tio Zéca morava na rua Venâncio Aires em Porto Alegre e tinha em casa vários cães e muitos passarinhos em gaiolas penduradas no teto da casa. Ele era um tipo esquisitão, muito econômico, cujas roupas eram feitas pela esposa, folgadas, num estilo “à moda da casa”, com o característico de terem bolsos bem fundos(!) ”para caberem coisas”, diziam. Certa vez ele embarcou num bonde para ir ao centro da cidade e, no aperto, um larápio enfiou a mão no bolso de sua calça, mas como o bolso era muito fundo, o ladrão terminou enfiando todo o braço. e sendo apanhado “com a boca na botija”. Pois uma das cadelas de Tio Zeca deu cria, e ele num gesto inusitado de generosidade, colocou um dos filhotes (um macho) numa caixa de sapatos e foi à nossa casa nos Moínhos de Vento, levando o cachorrinho como presente para mim. Era um cusco mestiço de várias raças, com predominância, acho eu, de Fox e/ou Pointer, pois seu corpo lembrava um perdigueiro de pernas curtas e fortes. As orelhas eram grandes e caídas, e não tinha rabo. Criou-se muito bem, sem jamais receber qualquer medicação ou vacina, pois na época isso não era usado. Também nunca foi a um veterinário, pois talvez essa profissão nem existisse. Andava solto por toda a parte, e afeiçoou-se muito a mim e eu a ele. Quando eu saia de bicicleta pelas ruas do bairro, ele galopava atrás de mim. Era um grande caçador de ratos e chamava-se Nilo não saberia dizer por que razão.

Um dia tivemos que nos mudar para a casa de meu avô, na Av. Independência, e aí surgiu um problema: meu avô não gostava de cães e não queria o Nilo em sua casa. Fiquei desolado ante a perspectiva de separar-me do Nilo. Minha mãe, porem, achou uma solução que só me agradou em parte: Havia nas proximidades um armazém de um português chamado Rosa, onde a família comprava gêneros, pois na época não havia super-mercados. “Seu” Rosa concordou em ficar com o cachorro em seu armazém até que surgisse outra solução para o problema. Foi então o coitado do Nilo para esse local, onde ficou acorrentado num pátio que era depósito de carvão, sujo, magro e triste, pois nunca estivera preso a uma corrente. A vantagem é que eu podia visitá-lo com freqüência, mas o sofrimento para ambos era grande, e doía-me o coração quando voltava para casa e deixava o Nilo desolado e sem esperanças de liberdade.

Um dia meu avô resolveu mudar-se para sua estância no Uruguái, e nunca mais voltou. Ficou por lá algum tempo, depois teve um problema de saúde e faleceu em Montevidéo. Quando o velho João saiu de casa para não mais voltar, não havendo mais objeções à presença de cães na casa, fui buscar o Nilo no armazém Rosa, e trouxe-o para casa para tomar um bom banho e receber a alimentação que costumava comer. Claro, muito feliz com a liberdade e bom tratamento que voltou a ter. Convivemos amistosamente mais alguns anos, já não mais da mesma forma que antes pois eu estudava e trabalhava, até que eu tive que viajar ao Rio de Janeiro e lá passar praticamente um ano. Nesse ínterim meus pais haviam-se mudado para uma casa no bairro da Glória, e quando retornei, ao fim de 1941, já não encontrei mais o Nilo. Pelo que soube, ele estava dando sinais de velhice, ficando caduco e estendendo cada vez mais suas ausências, até que um dia não mais reapareceu. Suponho que esteja agora no Valhala dos cães, paquerando alguma cadelinha no cio ou atrás de um imaginário rato.
Quando comecei a trabalhar na VARIG, em fins de 1941, tivemos em casa um Boxer que apesar da feroz carantonha era extremamente dócil e amistoso. Gostava muito de mim e, quando nos fins de semana eu ficava consertando um velho Nash que comprara, e que sempre requeria consertos, o que muitas vezes significava deitar-me no chão, o Boxer (que se chamava Bugre) achava que isso era uma tentativa de convivência mais íntima e por isso simplesmente deitava-se sobre meu corpo com seus bons 30 ou 40 quilos. Era um cachorrão muito amistoso, o Bugre!
Depois disso, já casado e morador do bairro Petrópolis, tive oportunidade de possuir um cão extraordinário – o Grey – do qual já falei em outro capítulo, filho da Waco, do aeroporto de Pelotas, RS. Esse foi um dos melhores cães que já tive e que foi, infelizmente, roubado por um vizinho inescrupuloso.
Depois veio o” Jeep”, quando já morávamos na Glória, numa casa que construí ao lado da de meus pais. Jeep era um Pointer importado da Espanha por um amigo caçador, que deu-me o cachorro numa época em que eu pretendia também caçar perdizes. Tornou-se um cão de porte avantajado, extremamente a árdego e faminto. Como nosso terreno tinha apenas uma cerca de arame, o cão fugia de casa com freqüência, voltando para casa carregando um pão ou uma manta de toicinho, roubados da casa de algum vizinho. Mesmo depois que passei a acorrentá-lo, continuou com suas fugas, pois era tão forte que arrebentava a corrente. Cheguei finalmente à conclusão que talvez fosse melhor treiná-lo no farejamento e caça às perdizes, pois isso era, afinal, sua suposta vocação. Para tanto recorri a um amigo, grande caçador, o Delegado de Polícia Amândio, que também trabalhava no aeroporto São João. Amândio recomendou-me que trouxesse Jeep ao aeroporto (que na época.transbordava de perdizes eu suas macegas) num domingo de bom tempo, e uma corda comprida. Assim fiz e nós os dois fomos para o campo, com o Jeep amarrado à corda com uns 5 metros. Quando se viu face às macegas, Jeep ficou muito agitado. Amândio, que era o “expert” recomendou-me: ”Dá mais corda a ele, deixa-o farejar o campo”! Assim fiz, mas quando soltava um pouco de corda, Jeep deu uma feroz arrancada, a corda escapou de minha mão e ele saiu correndo enquanto nós víamos seu vulto esbranquiçado sumir à distância, com as orelhas sacudindo. Imaginei que ele corria em direção à AV. Assis Brasil, que existia naquela direção em que ia, bem distante. Assim, peguei meu carro e corri para a tal avenida. Após alguma distância, pude ver, longe à minha frente, um vulto esbranquiçado e orelhudo correndo pelo leito da avenida, com um bom pedaço de corda arrastado atrás dele. Claro, era o Jeep! Fui em sua perseguição e consegui alcançá-lo e capturá-lo, levando-o de volta à casa e desistindo de treiná-lo como cão de caça.

Francamente, não sabia o que fazer com o Jeep. Um dia, porem, um outro amigo, também caçador, manifestou desejo de receber o cão, pois afinal sua linhagem e ardor poderiam torná-lo um precioso cão de caça. Dei, portanto o Jeep a esse amigo. Passados alguns meses, encontrei-o no aeroporto e pedi notícias do Jeep, ao que ele respondeu: “Tive que dá-lo para outra pessoa! Minha mulher não o agüentava mais e um dia me disse: -“ Ou o jeep, ou eu”!

E assim lá se foi o Jeep, talvez para cumprir seu destino que, afinal, não parecia ser caçar e sim correr desvairadamente pelos campos sem fim!!

Um dia, quando já morávamos na rua Victor Hugo, em Petrópolis, POA, RS, um amigo nos presenteou com um filhote de Fox Terrier, ao qual demos o nome de PIRRO (não saberia dizer qual a razão!). Criou-se muito bem e tornou-se um cachorrinho alegre, esperto e amável. Tinha duas particularidades: adorava passear em qualquer veículo, especialmente automóveis, e gostava de me ouvir tocar acordeão ou violoncelo; sentava-se à minha frente, levantava a cabeça e uivava desesperadamente enquanto eu estivesse tocando. Creio que pretendia acompanhar-me musicalmente. Quanto a gostar de veículos, bastava que um carro parasse e abrisse a porta para que Pirro saltasse para dentro, fosse lá de quem fosse o veículo. Quando Cecília saia de casa para ir ao centro da cidade, embarcando no bonde que parava na esquina de nossa rua, Pirro ia junto e também embarcava no bonde, criando um problema para Cecília e o motorneiro do bonde, no sentido de fazerem Pirro desembarcar e voltar para casa. Pirro um dia desapareceu e nunca mais voltou. Acho que alguém passou defronte à nossa casa, num automóvel, abriu a porta e lá se foi ele sabe-se para onde!

No ano de 1961 mudei-me primeiro para o Rio depois para São Paulo, ficando a família em POA até que minha situação se definisse, o que ocorreu com a compra da REAL S/A. Aí mudamo-nos todos para SAO e nossos cães foram doados a amigos em POA. Eu havia alugado uma boa casa em SAO, com pátio grande, mas não tinha cães, até que um dia chegou pela VARIG uma gaiola com um grande cão pastor enfurecido dentro da mesma, a qual foi colocada em meu pátio. Viera de POA, endereçada a mim.

Acontece que um amigo e colega que morava em POA e tinha esse pastor, fora transferido para o Rio e, meses atrás, havia-me perguntado se eu receberia o cão em minha casa , em SAO, e eu dissera que sim, porem já não me lembrava mais do ocorrido, muito menos do nome do cão. Ninguém se atrevia a soltar o cão enraivecido. Tive então que lançar mão de expedientes tais como falar com ele, dar-lhe água e comida, enfim, cativá-lo, o que consegui após algum tempo, colocando uma coleira em seu pescoço e, então, abrindo a jaula. Pois o cão saiu dócil e tranqüilo; parecia que estava era apavorado com a prisão, o vôo e a ausência de seus donos. Esse cão, que depois descobrimos chamar-se “Connie” tornou-se um grande amigo, dócil e obediente, e um bom guarda de nossa casa. Ele tinha uma técnica especial de derrubar as pessoas de quem não gostava, abocanhando um pé e fazendo uma manobra que jogava a criatura no solo, indefesa. Fez isso com algumas pessoas que invadiram nossa casa, inclusive um cobrador de impostos achacador, que nunca mais voltou.

Zeus

Como tivemos outros pastores, Connie tornou-se o chefe da matilha, isso até a chegada de Zeus, que foi um pastor alemão de raça, pois tinha um vasto pedigree com antepassados premiados, e que eu comprara num canil. Era de médio porte, com uma bela estampa, inteligente e treinado, que se encantou por mim logo de saída. Levei-o para casa e soltei-o no pátio para que decidisse com Connie quem seria o líder. Pois Zeus, apesar de menor e mais moço (tinha cerca de um ano e meio de idade), deu uma tremenda surra em Connie que, com isso, se aniquilou. Zeus passou a ser o chefe indiscutível. Quando tive que mudar-me de volta a Porto Alegre, viajei de automóvel com a família e mandei dois cães (Zeus e outro que me doara o Kennel Clube de SAO) num avião cargueiro. Os outros que ficaram, doei a amigos. O avião partiu de SAO para POA com os dois cães em jaulas de sarrafos. Alguns minutos após a decolagem, recebi uma mensagem do Comandante do avião, dizendo que um dos cães arrebentara a jaula e estava solto na cabine de carga. Pedia instruções.
 Como Zeus era mais ativo e feroz do que o outro, imaginei que fora ele que se soltara. Recomendei que fechassem a porta do Cockpit, que eu tomaria providências para o desembarque dos cães em POA. E assim foi feito: enviei uma mensagem a POA no sentido de que se comunicassem com meu filho Sérgio e o avisassem da chegada dos cães para que ele, que os conhecia, pudesse retirá-los de bordo.

Quando o avião pousou em POA, Sérgio estava no aeroporto e entrou no avião e removeu os dois cães sem problemas. A surpresa foi que o que arrebentara a jaula não fora Zeus mas sim o outro que era mais nervoso. Zeus serviu-nos vários anos, sempre atento, obediente e agressivo para com estranhos que invadissem nossa casa, como foi o caso de uma mulher que abriu o portão e entrou em nosso terreno, apesar do grande aviso que eu pusera no portão, advertindo as pessoas de que tínhamos cão feroz. Pois a mulher entrou e foi agredida por Zeus, que mordeu sua bunda e ficou vigiando-a até que eu chegasse. Depois de levá-la a um pronto socorro, perguntei-lhe: “Você não viu o aviso de que havia cão feroz ?”, ao que ela respondeu: “Eu sou analfabeta ! Zeus morreu de velho e está enterrado em nosso jardim. Um dos melhores cães que já tive !”

Tivemos vários cães nesse ínterim, porem os que mais tiveram realce em nossa afetividade, foram os Dackel. Começamos com um Dackel puro, tamanho médio, todo preto, que chamamos de Pee-wee. Um amigo de Novo Hamburgo tinha criação e me presenteou com um filhote. Criou-se muito bem e tornou-se grande amigo nosso. Quando fazíamos churrasco em nossa casa da praia de Atlântida, que era cercada por um muro com meio metro de altura, os cinco mil ou mais cães vadios que havia na praia cercavam nosso muro, atraídos pelo cheiro do churrasco. Pois Pee-wee patrulhava o muro pelo lado de dentro, latindo furiosamente para a cachorrada, que – incrível – o respeitava. Certo dia nosso portão em POA ficou aberto e Pee-wee correu para a calçada oposta, perseguindo outro cão. Um carro que passava o atropelou e ele voltou para casa arrastando-se com as patas da frente e um olhar desesperado de quem pede socorro.  Levei-o ao veterinário, que pediu uma radiografia. Na época, não existiam clinicas radiográficas para animais em POA. Mas eu tinha um bom amigo que era médico radiologista e que administrava uma clínica no centro da cidade, para humanos. Falei com ele o qual, bondosamente, prontificou-se a radiografar o cãozinho, e lá fui eu com Pee-wee no colo, enfrentar os olhares escandalizados dos clientes que estavam na sala-de-espera.

Pee-wee tivera uma lesão na coluna e ficara, aparentemente, paralítico das patas traseiras. Começou então um período de tentativa de cura que pôs à prova a coragem e a determinação do cão, pois Pee-wee ficou deitado sobre uma cama forrada de jornais que eu arranjara num canto da casa, praticamente imóvel, durante cerca de dois meses. Eu o alimentava e limpava diariamente e ele suportava tudo com um estoicismo admirável. Um dia, com satisfação e surpresa geral para todos, Pee-wee levantou-se e caminhou com certa dificuldade, mostrando sem dúvida que estava curado daquela suposta paralisia Viveu vários anos mais, até que um dia deitou-se no chão da sala e não mais pôde levantar-se, apesar de tudo que fizemos. Ficou internado numa clínica, mas não houve mais solução e o cãozinho morreu antes de voltar para casa.
Kitty

A convivência com Pee-wee nos ensinou a gostar muito da raça Dackel. Assim, após sua morte, decidimos adquirir outro da mesma raça e por isso fomos a uma criadora na Vila Nova, onde encontramos dezenas de filhotes à venda. Creio que nossa neta Sandra estava junto, e com ela escolhemos dois filhotes, um casal, ele marron de pelo liso e ela escura de pelo de arame. Denominamos o macho Pee-wee 2 e a fêmea Kitty. Levamos os dois para casa,onde se criaram lindamente, mas com temperamentos totalmente diferentes: o macho era comodista, apesar de muito valente, ao passo que a fêmea era excelente caçadora. Caçava tudo, inclusive os gatos da vizinha, para meu constrangimento. Certa vez um gambá entrou em nosso pátio. Tínhamos dois pastores que correram atrás do gambá, mas quando este, encurralado num canto da casa virou-se de frente para os cães com os dentes arreganhados, estes recuaram e ficaram a certa distância. Kitty, muito menor do que o gambá, atirou-se ferozmente contra este, pegou-o pelo pescoço e o matou. Era uma caçadora emérita!

Pee-wee 2

Tivemos nessa época um filhotão de Rotweiler, um tanto feroz. Um dia houve uma briga entre ele e os pastores e o minúsculo Pee-wee 2 resolveu interferir, atacando o Rotweiler que, em revide, mordeu o Dackel no meio do corpo, deixando-o bem machucado. Passado mais algum tempo, verificamos que Pee-wee 2 tinha muito tártaro acumulado nos dentes, o que o impedia de mastigar. Levei-o ao veterinário para remover o tártaro, o que foi feito sob anestesia geral. Quando fui buscá-lo, estava recém saindo da anestesia e se arrastava pelo chão, ganindo desesperadamente. O veterinário pegou-o no colo para ver de que se tratava e o cãozinho nesse momento morreu. Nunca fiquei sabendo o que ocorrera com ele, e lamentei muito sua perda.

A cadelinha Kitty desenvolveu uma série de tumores nas mamas, o que foi necessário operar. Ela parecia estar se recuperando, porem um dia não podia mais levantar-se do chão, e como estava muito idosa e sofrendo bastante, mandei sacrificá-la.

Como nessas altura nós também estávamos muito idosos, não me pareceu mais possível criar e cuidar de cães, ficando essa tarefa para os mais jovens. E assim, a contragosto, acabou nossa “carreira” de cinófilos, “carreira” essa que durou, no meu caso, mais de oitenta anos. Restou apenas a saudade e a lembrança daqueles cães que mais se ligaram a nós, de uma maneira ou de outra, tais como os inesquecíveis NILO, GREY, ZEUS, PEE-WEE l, PEE-WEE 2 e KITTY.

Um comentário:

  1. Caro Rubens Bordini, alguma vez ouviu falar a respeito do Grande Criadeiro Santa Cruz?... Ficava na Avenda Cascata, 5119, além da Gruta e do Sanatório São José, lá na Glória... Isso entre 49 e 57, eu morava por lá...

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