quarta-feira, 4 de julho de 2012

52) Aeroportos

Aeroporto São João – 1930

Desde que surgiram os primeiros aviões na história da humanidade, sabia-se que para alçarem vôo eles precisavam de uma extensão de terreno plano para adquirirem velocidade que os faria voar. Isso entre outras coisas foi copiado das aves, especialmente as mais pesadas, que também precisam correr no solo para obterem a sustentação requerida em suas asas. Durante a primeira guerra mundial, a aviação sofreu um grande impulso, tendo sido fabricados centenas de aviões, a maioria de combate. O transporte via aérea ainda estava por surgir. De qualquer maneira, soube-se que seria necessário destinar áreas pré-escolhidas para que os aviões pudessem decolar e pousar. A destinação dessas áreas para esse fim, porem, implicava em sua localização adequada, mais despesas de eventual aquisição e aprimoramentos.

Face à dificuldades desse tipo, e considerando que o mundo possui mais água do que terra, surgiu a idéia de que os aviões poderiam ou até deveriam decolar e pousar n’água, especialmente os mais pesados. Começou-se então a fabricar hidro-aviões, e a utilizá-los no transporte de correio e pessoas. Surgiram empresas transportadoras (entre elas a VARIG) utilizando hidros em suas rotas, podendo citar-se como exemplo a colossal PAN AMERICAN, que começou ligando as três Américas com um pequeno hidro, sob o nome de NYRBA (NewYork-Rio-Buenos Aires) e chegou a fazer vôos transoceânicos com os memoráveis “Clippers”.

Mas à despeito de haver mais água do que terra no mundo, os seres humanos que poderiam ocupar lugares dentro de aviões de transporte não vivem nas águas e sim na terra. Verificou-se então que para alimentar os cofres dos exploradores do futuro transporte aéreo era necessário traçar rotas para os aviões que os colocassem ao alcance das pessoas que iriam viajar. E para isso, essas rotas tinham que começar e terminar em lugares onde os aviões, agora terrestres, poderiam executar suas corridas de decolagem e de pouso, ou seja, aeroportos terrestres.

O que teria existido primeiro, o avião com rodinhas ou o aeroporto? Isso é como perguntar o que existiu primeiro, o ovo ou a galinha? Mas vou arriscar um palpite: Acho que primeiro surgiu o “aeroporto”, depois o avião com rodinhas, pois o “aeroporto” começou sendo uma campina natural, que não tinha que ser fabricada, diferentemente do avião, que o tinha. Desde o tempo da primeira guerra que os “aeroportos” eram simples extensões de campo, sem limitações a não ser cercas ou árvores, tudo natural e já existente.

Assim sendo, em boa parte do mundo começaram a surgir desses “aeroportos”, que aguardavam seus aviões terrestres. Como na Alemanha se fabricavam aviões, um dos primeiros “aeroportos” foi o de “Tempelhof”, em Berlin, numa campina junto a um templo (daí o nome) e um cemitério. Nos Estados Unidos, desde cedo a Força Aérea começou a transportar correio em aviões biplanos monomotores. O motor desses aviões falhava com freqüência, o que fazia seu piloto escolher uma pista de pouso onde fosse possível pousar sem acidente. Depois, se tivesse condições, o piloto saia pelos campos afora com o saco de correio às costas até encontrar uma estrada ou ferrovia, cujos maquinistas tinham ordens federais para parar o trem em qualquer lugar e dar carona ao piloto, não por solidariedade humana, mas sim pela importância do correio, que tinha que prosseguir avante, a qualquer custo.

No Brasil os primeiros passos da aviação de transporte foram dados pela VARIG, no RGS, como sabemos, com um hidroavião. Isso durou pouco tempo, pois o avião logo seria substituído por aeronaves com rodinhas. Mas onde decolar ou pousar? Havia duas situações, pelo menos: Um aeródromo em Porto Alegre, onde era a sede da RG, e alguns outros onde fosse interessante por razões econômicas operar. Suponho que a precária administração da VARIG tenha influído sobre a localização desses aeródromos, pois isso interessava à empresa, junto a órgãos governamentais que poderiam influir de uma forma ou de outra na concretização das pistas. Não havia na época, que eu saiba, um órgão federal centralizador dessas ações, pois isso só aconteceu mais tarde, com a criação de um Departamento subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas, que passou a cuidar, de forma elementar, desses assuntos e de outros mais relativos à aviação civil no país.

Independentemente disso, havia órgãos estaduais ou municipais também interessados, cuja ajuda em alguns casos, foi fundamental. Foi o caso, por exemplo, do futuro Aeroporto de Porto Alegre, que inicialmente se chamou “São João”, pois esse era o nome do bairro perto de onde ele se situava. Ali, entre os limites da cidade e a margem do rio Gravataí, existia uma grande várzea, alagadiça, pertencente ao Governo do Estado, onde a Brigada Militar criava seus cavalos e os punha a pastar. Pois essa várzea foi em parte drenada e duas pistas foram demarcadas com madeira caiada, uma pequena construção de alvenaria foi feita numa extremidade, e estava constituído o “Aeroporto” de Porto Alegre (ou São João). Para aí foram transportados os primitivos aviões de passageiros da VARIG, que haviam vindo da Alemanha por navio, parcialmente desmontados.

A VARIG (Meyer ?) projetou linhas a partir de POA, certamente levando em conta o potencial econômico dos futuros e eventuais passageiros. O RGS era um estado agro-pastoril, sua economia girava, principalmente, em torno das atividades “ganaderas” da metade sul do estado. Então provavelmente os futuros ocupantes dos aviões da RG seriam estancieiros ricos dessa região, a despeito de isso representar pouca gente. Mas isso não importava muito porque para “lotar” um Junkers F-13 bastavam 5 passageiros! Então, dentro dessa maneira de pensar, foram escolhidos e demarcados alguns dos futuros “aeroportos do sul do Estado: Pelotas, Bagé, Santana do Livramento e Uruguaiana, ou seja, uma linha de pistas de pouso mais ou menos paralela à linha divisória Brasil-Uruguai, a partir de Pelotas. As pistas de Pelotas e de Uruguaiana eram razoavelmente adequadas, se bem que alagadiças. Bagé e Livramento porem, eram pistas naturais sobre coxilhas, de escasso comprimento, o que tornava a operação, mesmo com o F13 crítica especialmente com mau tempo. A pista de Livramento, em especial, era péssima. Desenvolvia-se sobre o lombo de uma coxilha formando quase um “L”, com ambas as cabeceiras na parte baixa do morro, de sorte que a gente iniciava a decolagem morro acima, sem visibilidade pois o motor do avião estava na frente de nossos olhos, e tinha que girar a proa uma 30 ou 40 graus afim de continuar dentro da “pista”, agora morro abaixo até uma cerca que havia na frente! Não faço idéia de quem foi o imbecil que escolheu essa localização, tanto mais que anos mais tarde eu localizei outra coxilha, ampla e reta em relação ao vento predominante, de suficiente comprimento, mais próxima à cidade, com piso rochoso e liso, e que passou a ser o aeroporto de Livramento até algum tempo depois, pois afinal as operações ali foram transferidas para uma pista melhor,em Rivera, Uruguai.

Fora do RGS, houve algumas iniciativas por parte da aviação militar, do Exército e da Marinha, que começaram a operar em Bacacheri (PR), Cumbica (SP), Afonsos e Galeão (RJ). Em SAO, talvez por pressão da empresa paulista VASP, uma colina ao sul da cidade foi transformada num planalto (alt. cerca de 800 metros) mais ou menos circular, onde os aviões decolavam e pousavam contra o vento, em qualquer direção. Como essa colina fora coberta por uma florzinha chamada Congonhas do Campo, o projetado aeroporto passou a chamar-se “Congonhas”.

No Rio de Janeiro, fora das instalações militares, cogitou-se de transformar em aeroporto o prolongamento do aterro do Flamengo, resultante do rebaixamento do morro do Castelo, com a construção de algumas edificações e de uma pista mais ou menos N-S, de dimensões acanhadas, que passou a chamar-se Aeroporto Santos Dumont. Havia mais uma área de grandes dimensões na ilha do Governador. Aí se instalou uma dependência da Aviação Naval, que chegou a organizar uma fábrica de aviões (a primeira no Brasil!), que produzia sob licença alguns tipos de aviões alemães, entre eles o famoso Focke-Wulf “Stieglitz”, um dos melhores aviões acrobáticos que já se fabricou. Essa área transformou-se no Aeroporto do Galeão (deve ter havido um galeão português ou espanhol ancorado por ali, noutros tempos!).

Além do Rio de Janeiro, para o norte e nordeste, não houve mais aeroportos no Brasil, a não ser alguns anos mais tarde, especialmente quando, durante a 2ª Guerra Mundial, ou melhor a partir de 1941, quando os USA entraram na guerra e precisavam enviar centenas de aviões de transporte e de combate à África e à Europa. As costas nordestinas do Brasil eram o local mais próxima da costa da África e por isso interessavam aos USA como escala para seus aviões. Houve pressão por parte dos USA e o governo brasileiro, até então ou um tanto germanófilo, ou simplesmente hesitante, cedeu às pressões e se declarou a favor dos aliados, arrendando aos americanos as costas nordestinas, nas quais eles construíram bases com todos os recursos da época, pistas pavimentadas, controle de tráfego aéreo, alojamentos, hangares e depósitos de peças sobressalentes. Esses “aeroportos”, terminada a guerra, passaram a servir à aviação de transporte brasileira, equipando cidades tais como Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, com algo que nunca haviam tido nem poderiam vir a ter a curto prazo.

Tive ocasião de freqüentar a Base (então norte-americana) de Parnamirim, Natal, RN, no ano de l946, quando fui lá duas vezes buscar avião C-47 e peças sobressalentes. Apesar de já estar sendo abandonada pelos americanos, a Base era um esplendor de recursos, especialmente aos olhos de quem, como nós, que não estavam acostumado à abastança. Havia de tudo à farta, até super-mercado (o que eu não conhecia ainda). Nossos alojamentos eram enormes barracões muito confortáveis, com beliches e colchões macios, onde as janelas não tinham nem tampos nem vidros. Somente uma tela fixa contra mosquitos, pois fazia sempre calor. Nos toaletes, amplos e arejados, com chuveiros, pias e latrinas, não havia separações. As pessoas ou tomavam banho ou evacuavam coletivamente, inclusive conversando. Tudo, porem, era separado entre “brancos” e “pretos”. Havia latrinas para brancos e latrinas para pretos, restaurante para brancos e idem para pretos. Tudo igual e de boa qualidade. Os habitantes de Natal, em geral gente humilde, haviam sido empregados pelos americanos para tarefas simples como carregamento de aviões, abastecimento, limpeza em geral, etc. Estavam bem vestidos com roupas de trabalho, bem alimentados e aparentemente felizes. Foi a primeira vez que vi operários usando luvas grossas para proteger as mãos, coisa que em nossa terra jamais acontecera. Ah, e é claro: os nordestinos empregados na Base usavam as instalações rotuladas com a palavra “COLORED”, mesmo que para nossos olhos eles não fossem “pretos”.

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