quinta-feira, 5 de julho de 2012

55) Getúlio Vargas

Electra 10E

Em ocasiões diversas, tivemos oportunidades de transportar em nossos aviões figuras proeminentes de nosso país. E foi assim que um dia eu estava escalado para levar Getúlio Vargas e seu inseparável “Nêgo” Gregório e mais algumas pessoas, à estância Santos Reis, em São Borja, RS. Era um dia de primavera, quando o RGS estava coberto por uma densa névoa seca proveniente da queima de campos, o que ocorria tradicionalmente no Estado, após o inverno, para a renovação dos pastos. O vôo era num de nossos antigos Electrinhas, na época o melhor avião da RG. Na estância, que distava uns cem quilômetros da cidade de São Borja, ligada a esta por uma linha telefônica, havia uma pequena pista de pouso, que era o lombo de uma coxilha demarcado com “casinhas” caiadas.

A navegação nesses cerca de 600 Km de distância ia ser um problema, pois eu não contava com qualquer apoio de rádio e estava voando por instrumentos, pois a visibilidade era quase nula. Eu enxergava um pouquinho bem na vertical, pelo que pude orientar-me pela ferrovia que liga Porto Alegre a Santa Maria, mais ou menos na metade do caminho. Alem de Santa Maria, porem, a coisa complicou-se. Eu sabia que não deveria ultrapassar o rio Uruguai, na margem do qual está São Borja, pois alem do rio é território argentino, mas não tinha muita certeza se enxergaria o tal rio (que é bastante largo). De vez em quando, o “Nego” Gregório vinha até a cabine, cutucava-me com um dedo grosso e duro, e gritava: “O Doutor Getúlio quer saber quando vamos chegar!” Eu sabia tanto quanto ele, mas respondia: “Breve!”.

Lá pelas tantas, cheguei à conclusão de que estava praticamente perdido. Eu não tinha gasolina para ficar procurando São Borja, talvez já em território argentino, sem saber onde estava e para onde ir. Assim, num ataque de bom senso, resolvi apelar, para a goniometria, mas para isso precisava de uma estação transmissora. Eu não estava muito longe de Uruguaiana, onde a VARIG (Peixoto) tinha instalado recentemente um rádio-farol (NDB). Decidi então pousar em Uruguaiana, reabastecer e então subir o rio Uruguai até São Borja, voando baixo para não perder o rio de vista. Assim, mandei meu rádio-operador comunicar-se com Uruguaiana e dizer a eles que pusessem o NDB no ar, pois eu ia para lá. Em seguida chamei Gregório e comuniquei a ele o que pretendia fazer e quais as razões. Ele transmitiu a mensagem a Getúlio que mandou dizer-me que estava bem, mas que não informasse a Uruguaiana que ele estava a bordo, pois não queria ter que fazer um discurso. Fiz essa recomendação ao R/O, mas infelizmente ele já tinha dado a notícia a seu colega de Uruguaiana, pois os R/O adoram conversar entre si.

Seguimos pois com o farol na proa até o aeródromo de Uruguaiana, onde a bruma havia melhorado um pouco, pelo que pudemos enxergar as pistas e a área de estacionamento, que estava coalhada de gente e automóveis, contrariando o desejo de Vargas. Circulei o aeródromo e entrei na reta final para o pouso; quando estava a uns 50 metros de altura, divisei no horizonte uma nuvem escura que eu não sabia o que era. Logo, porem, fiquei sabendo: era uma enorme nuvem de gafanhotos que avançava em nossa direção, vindo da direção da Argentina. Em seguida essa nuvem atingiu o avião e seu parabrisas ficou totalmente coberto de gafanhotos esmagados, impedindo a visão dos pilotos para a pista, que se aproximava. Abri então a janela lateral da cabine e enfiei a cabeça para fora a fim de poder enxergar, o que consegui com dificuldade pois meus olhos e rosto em geral eram continuamente atingidos por gafanhotos. Afinal consegui a duras penas pousar o avião e taxiar para a construção que ali havia, onde ficamos, passageiros e tripulantes, ao abrigo dos gafanhotos.

Pude então explicar aos passageiros, especialmente a Getúlio Vargas, o que estava acontecendo e o que eu decidira fazer. Disse-lhes que teríamos que limpar o avião (parabrisas e radiadores de óleo dos motores), abastecê-lo e então prosseguir a São Borja subindo o rio. Evidentemente, eles não tiveram alternativa senão conformar-se com a situação; Mas vale mencionar que o Dr. Getúlio Vargas, muito esportivamente, encarou tudo com naturalidade e compreensão, aceitando minhas explicações com um sorriso.

Limpo e abastecido o avião após os gafanhotos terem ido embora, tendo Getúlio feito o esperado discurso e cumprimentado efusivamente por seus admiradores, partimos para São Borja, onde localizei a linha telefônica que nos levou à estância, onde pousei. Feitas as devidas despedidas, partimos, os três tripulantes, de volta a Porto Alegre. O grupo de passageiros, incluindo Vargas, ficou na beira da pista para ver nossa decolagem. À guisa de despedida e saudação, resolvi fazer uma decolagem diferente, passando rasante sobre o grupo e subido numa curva “americana”. Durante o processo, porem, senti o avião muito mole”, quase estolando, o que me obrigou a uma reação um tanto precipitada para não incorrer num tremendo “fiasco” ou, pior, num acidente que poderia incluir o atropelamento dos espectadores, o que teria, fatalmente, mudado a História do Brasil! Saí campo afora, voando baixo e com o avião ganhando velocidade aos poucos, enquanto verificávamos que o trem de pouso do Electrinha não tinha recolhido após a decolagem! Por isso o avião estava lerdo e quase estolando, pois seus motores tinham pouca potência! Eu fizera uma bobagem, sem contar com o imprevisto. Aliviado um pouco o sentimento de culpa, subi e aproei Porto Alegre, sintonizando no ADF a abençoada Rádio Farroupilha, que eu usara muitas vezes de longas distâncias, por sua potência. E assim encerrou-se um de meus contatos com o famoso Presidente Getúlio Vargas e seu “acompanhante” Gregório.

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