quinta-feira, 31 de maio de 2012

4) O acidente do “Mauá”

Quando entrei para a VARIG, em fins de 1941, a empresa possuía quatro aviões de passageiros e um de transporte de correio (e eventualmente um pobre passageiro, pois ele ia na nacele dianteira, exposto ao vento e à chuva). Todos os aviões eram de fabricação alemã, já bem usados e com carência de peças novas, pois em 1939 começara a 2ª. Guerra Mundial e não havia mais tráfego marítimo da Europa para o Brasil.

Um desses aviões, o “flagship” da VARIG, era um trimotor Junkers JU-52 para 14 passageiros, comprado não sei como na África do Sul, e trazido para o Brasil também não sei como, que foi batizado com o nome de “Mauá”, pois nessa época se costumava dar nomes aos aviões, prática essa que foi abandonada após um acidente em que a imprensa usou muito o nome do avião acidentado em suas publicações.

O avião JU-52 voava apenas entre Porto Alegre e Pelotas, saindo de POA pela manhã e retornando à tarde. Ele era pilotado exclusivamente por dois Comandantes: Greis, alemão e Stunde, estoniano. A despeito do avião possuir um bom instrumental de vôo, inclusive um radio goniômetro automático RCA, o primeiro em aviões da VARIG, ninguém voava por instrumentos e o Mauá era pilotado por contato visual com o terreno, como os demais aviões.

Um dia pela manhã, quando o aeroporto de São João (como se chamava o futuro Salgado Filho) estava tomado por denso nevoeiro, com visibilidade não maior do que uns 200 metros, o Mauá estava pronto para receber seus passageiros, à espera de melhora do tempo. Eu me encontrava encarapitado num F-13, trabalhando em seu motor, quando vi que os passageiros do Mauá estavam embarcando. Não acreditei que o avião pudesse sair com aquele nevoeiro, e qual não foi minha surpresa quando vi que davam partida aos motores e iniciavam o “taxi” para a  cabeceira da antiga pista 04, mais ou menos paralela à estrada que se dirigia a Canoas.

O Junkers acelerou os motores e decolou, desaparecendo no nevoeiro. Continuei fazendo meu trabalho por mais cerca de meia hora, quando surgiu um outro mecânico, correndo pelo pátio e gritando: “O Mauá caíu !, o Mauá caiu !”

Foi uma correria geral. Havia uma viatura da VARIG ali no pátio e vários mecânicos embarcaram na mesma, inclusive eu, com a intenção de irem ao local do acidente para prestar eventual socorro. Soube-se que o avião caíra no Saco dos Navegantes, uma área do rio Guaíba coberta por maricás cheios de espinhos separada da margem do rio por uma extensão de água. A informação proviera de uma irradiação da rádio Farroupilha, que noticiara o acidente. Um reporte da Rádio, que era passageiro do Mauá, sobrevivera ao impacto e ao fogo, quebrara uma janela do avião e saíra da área conflagrada andando sobre os maricás até a margem, onde enxergou um pescador num bote a remos nas proximidades, que o levou até as instalações  do clube náutico Veleiros do Sul, que nessa época eram ali nos Navegantes. O tal repórter, ao invés de ir para casa ou a um hospital, apanhou um taxi e foi para a Rádio dar, em primeira mão, a notícia do acidente

Por incrível que pareça, a administração da VARIG só tomou conhecimento do acidente do Mauá quando alguém ouviu a transmissão da Farroupilha. Isso aconteceu porque não houvera tempo para o Mecânico-Co-piloto-Rádio-Operador fazer qualquer transmissão para a estação de terra, pois o avião caíra logo após a decolagem.

Uma pseudo-investigação que foi feita mais tarde chegou à conclusão de que o piloto, ao entrar no nevoeiro e perder contato com o solo, se desesperara, pois não voava por instrumentos, e fizera uma curva fechada para a esquerda com a intenção de retornar à pista, batendo com a asa esquerda nos maricás e caindo aos pedaços e pegando fogo.

Houve mortos e feridos, inclusive os tripulantes, que faleceram no impacto. Aquele grupo de mecânicos que acorrera ao local (inclusive eu) atravessou aquela extensão de água em embarcações do Veleiros do Sul e foi ao local onde já estavam Ruben Berta e um futuro Governador do RS, Perachi Barcelos, representando o Governo do Estado. Ajudei a carregar cadáveres parcialmente consumidos pelo fogo, e durante várias semanas não pude comer carne assada, pois o cheiro era o mesmo.

Não se tirou do acidente qualquer ensinamento, pois na época tudo era improvisado. Entre nós, os pilotos-aprendizes, houve muitos comentários, entre eles a pergunta: Porque o velho Stunde decolou dentro do nevoeiro, quando ele sabia que não poderia fazer isso e que bastaria esperar mais algumas horas para que o nevoeiro se dissipasse ? Ou então: porque não manter a proa reta e subir algumas poucas dezenas de metros, passando para cima do nevoeiro onde havia céu azul? Nunca se soube.

Um comentário:

  1. Cmte Bordini, houve a investigação. Mas o Sr. tem algum palpite para a queda (diferente das conclusões daquela investigação?). Ah, parabéns pelo blog. Sou fã dos livros que o Sr. e o LL. Souza Pinto escreveram.

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