quarta-feira, 30 de maio de 2012

3) “Férias” nos USA

3)“Férias” nos USA.

Há alguns anos eu não gozava férias, sempre muito envolvido com meu trabalho na VARIG.Em determinado momento, ao fim da década dos anos 50, as coisas se ajustaram de forma que eu, enfim, poderia tirar umas duas ou três semanas de necessárias férias. No ano de 1951 eu e o colega Peixoto fizéramos uma viagem de automóvel pelos USA, percorrendo cerca de 12000 Km numa bolsa de estudos aeronáuticos da CAB (Civil Aeronautics Board). Visitáramos dezenas de organizações aeronáuticas e, paralelamente, fizéramos um magnífico turismo pelo interior daquele grande e magnífico país, conhecendo muitos de seus pontos mais interessantes.

Eu tinha boas lembranças dessa viagem e achei que poderíamos gozar as férias viajando novamente pelos USA, de automóvel alugado. Assim a Cecília viria a conhecer alguns dos lugares sumamente interessantes que eu conhecera em 1951. Um casal muito amigo nosso manifestou desejo de acompanhar-nos, desde que eu pudesse obter-lhes passagens
GC (grátis condicional, dependendo de lugar no avião).o que não me foi difícil fazer.

Assim, um belo dia, deixando os filhos com os avós, partimos os quatro num Super-Connie da VARIG, rumo a New York, muito satisfeitos com as perspectivas da viagem que faríamos pelo interior americano. Eu preparara um roteiro, e estava tudo planejado.

O último trecho de nosso vôo era Puerto Rico a NYC. Na hora do embarque em Puerto Rico, soubemos que a empresa vendera os quatro lugares que ocupávamos e assim, como éramos GC, ficamos no aeroporto enquanto o avião decolava para NYC. Para ficar em PR até a vinda de outro avião da VARIG, daí a três dias, teríamos problemas com a Imigração, pois nossos vistos eram para os USA. Alem disso, gastaríamos algum dinheiro com hotel, alimentação e transporte. Por isso, fazendo as contas, verifiquei que gastaríamos aproximadamente a mesma coisa , se comprássemos passagens num DC6-B da Pan American que tinha o mesmo destino e que chegaria a PR em algumas horas.

Dito e feito: compramos as passagens na PAA e embarcamos rumo a NYC, satisfeitos por termos resolvido esse problema. Ledo engano: o tempo no aeroporto Kennedy em NYC estava péssimo, nosso avião deu umas duas ou três voltas sobre o aeroporto e afinal o Comandante informou que íamos para o aeroporto militar de Washington, que era o único aberto. Com grande decepção desembarcamos na capital americana e fomos conduzidos a uma sala fechada, onde ficamos, os que não eram americanos, por quatro horas esperando que o tempo abrisse em NYC e pudéssemos, enfim, decolar no mesmo avião da PAA para nosso destino.

Chegados  NYC fomos para o hotel Paramount, na rua 46 bem perto da Times Square, no centro da cidade. Esse hotel era onde ficavam as tripulações da VARIG, era um bom hotel e nos cobrava tarifas especiais. A idéia era ficarmos no hotel até o dia seguinte, quando então trataríamos de alugar um carro para a sonhada viagem.

Depois do “breakfast”, saí para a rua para comprar alguns artigos de toalete numa farmácia que havia na esquina. Na volta, à certa distância da porta do hotel, vi o colega Cmte. Mancuso, que me fazia sinais chamando-me ao seu encontro. Ele tinha nas mãos um papel que me entregou. Era uma mensagem dirigida a mim, escrita pelo serviço de comunicações da VARIG em NYC, e assinada pelo Presidente da empresa, Ruben Berta. Dizia:” Bordini, houve um grave acidente com um nosso C-46 em Bagé. Volte a POA imediatamente !”

Fiquei estarrecido. Eu participava da recém criada Comissão de Investigação de Acidentes da VARIG, que fora minha inspiração como resultado do pequeno estágio que fizera na CAB americana, em 1951. Minha presença em POA, nesse caso, era absolutamente necessária. Nessa noite saía de NYC um avião nosso com destino a POA. Intimamente lamentando a alteração e talvez cancelamento de nosso programa de férias, não tive remédio senão reservar um lugar para mim nesse vôo e tomar algumas providências, tais como deixar a Cecília em NYC com o casal amigo, dar-lhe o dinheiro em dólares que havia trazido, sua passagem de volta, passaporte, etc. Recomendei-a à Gerência da VARIG em NYC e ao  casal amigo, despedi-me e aprontei-me para viajar no vôo que saía à noite.

Cecília ficaria em NYC algum tempo, na esperança de que eu pudesse voltar, na companhia do casal amigo. Havia muita coisa para ver e visitar em New York, tais como museus, Coney Island, Central Park e outras coisas mais; assim, fiquei tranquilo, pois ela teria com que se ocupar.
Em POA enfrentei a tarefa de ajudar no horrível acidente que ocorrera em Bagé. Um Curtiss C-46 cheio de passageiros decolara de uma pista ainda em construção e logo após a decolagem houve fogo no motor esquerdo. Era coisa sabida que com fogo em avião não se brinca, e a providência é sempre pousar de qualquer forma o mais breve possível. O Comandante do avião, no entanto, a despeito de haver terreno propício à frente para um pouso de emergência, optou por arremeter e fazer uma volta para pousar na pista que deixara. À meio caminho, porem, a asa esquerda soltou-se e o avião caiu com violência, pegando fogo e matando todos os seus ocupantes.

Foi terrível, e nossa tarefa era descobrir a origem do fogo e por que razão a asa se soltara. Era um trabalho difícil, penoso e demorado. Vi logo que não poderia retornar a NYC e por conseguinte enviei uma mensagem à Cecília dizendo que voltasse a POA, pois nossas férias estavam canceladas. Ela assim o fez, embarcando num Constellation que retornava a POA. Ao chegarem a Belém, porem, o avião ficou lotado, e como havia duas senhoras com passagem GC ( a Cecília e a esposa do Gerente em SÃO), uma delas teria que desembarcar e eventualmente voltar ao Rio num C-46 que fazia a rota Belém-Rio pelo litoral brasileiro, numa enorme de demorada volta, cansativa e desconfortável.

Cecília, corajosa e colaborativamente, se dispôs a viajar no C-46, deixando à outra a regalia de voar no Constellation em vôo direto ao Rio. Aí, porem, interveio o Comte. do Constellation, velho amigo meu, que disse ao funcionário do Despacho:

“Eu só saio daqui se Dona Cecília embarcar !”

Isso sacramentou a situação, e não houve remédio senão acomodar as duas de qalquer maneira, satisfazendo assim a todos.

A investigação do acidente ? Foi demorada e penosa, mas “al fin y al cabo” chegamos a uma conclusão sobre as causas prováveis: havia muita pedra solta sobre a pista de terra e supõe-se que a roda, girando com força, tivesse jogado uma pedra aguda contra uma
tubulação de alumínio que existia na cavidade onde se aloja a roda, causando um rompimento dessa tubulação, o que provocou um jato de gasolina sob alta pressão que se incendiou e fez com que um verdadeiro maçarico de chamas incidisse sobre a longarina principal da asa, fundindo-a e causando o rompimento.

Como providências saneadoras, a Comissão recomendou a substituição das tubulações  por outras de aço inoxidável em toda a frota de aviões Curtiss C-46 e a limpeza das pedras soltas que havia na pista de Bagé.Como costumávamos fazer nesses casos, encaminhamos um relatório das conclusões ao Ministério da Aeronáutica e às empresas que operavam os aviões C-46.

4 comentários:

  1. Qual era a trip deste vôo? Estou gostando muito de suas historias. Abraço,
    Carlos A.Santos Rocha (Cmrio aposentado RG)

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  2. Caro Rocha. Obrigado pelos elogios. O único nome de que me lembro é o Cmte. Leandro ou coisa parecida. Abraços, R. Bordini

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Caro Bondini, virei leitor assiduo de seu blog...tambem tenho algumas estorias, pois comecei na RG em 1967 com 17 anos de idade, na reserva da RAN no RIO, passei por varios setores até 1980...de 1982 a 2004 trabalhei na SWISSAIR, quando me aposentei, mas continuo como agente de viagens e ano que vem comemoro 50 anos na ativa...Foi interessante saber que o sofrimento dos GCs acontece há longa data, passei muito por isso, mas o pior foi a 5 anos, quando e minha familia (4 PAXs) sobramos por mais de uma semana em MIA pela AA...

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