terça-feira, 18 de março de 2014

71) DA NAVEGAÇÃO AÉREA




Rubens A R Bordini – março, 2014

O ser humano é essencialmente irrequieto! Ele precisa se movimentar de um lado para o outro, mas onde? Ora, no lugar onde vive, ou seja, na superfície deste nosso planeta. Essa superfície presta-se naturalmente à nossa locomoção, ou em terra firme ou sobre água, o que o homem aprendeu há muito tempo. Havia, porem um outro meio que se prestava à locomoção e que restava ser conquistado: A atmosfera. E muitos e muitos e muitos milênios depois que o homem começou a caminhar ereto, o meio aéreo foi afinal usado para a locomoção; surgiram as máquinas voadoras, que agora andam por aí aos milhares.

A penetração de uma dessas máquinas na atmosfera apresentava alguns problemas, sendo um deles a orientação. Era preciso saber para onde se ia, sob o risco de perder-se. No começo os aviões só tinham dois instrumentos de navegação ou orientação no ar: A antiga bússola magnética, supostamente inventada pelos chineses há milênios, e o olho do aviador ou navegador. Era preciso enxergar o solo e identificar pontos de referência para orientar-se satisfatoriamente. Talvez alguém ainda se lembre do tempo em que a gente fazia um voo rasante sobre uma estação ferroviária, para ler no telhado da mesma o nome da localidade, que alguém, generosa e prudentemente, pintara em letras garrafais. Era uma confirmação indiscutível que a gente estava, ou na rota, ou perdido!

Outro exemplo de navegação aero-ferrodrômica: Quando a VARIG começou a voar para Montevideo, havia uma linha ferroviária ligando Rio Branco (fronteira com Jaguarão, no RS) à capital uruguaia. Com mau tempo, a gente voava rasante sobre a linha do trem, chegando a Montevideo razoavelmente bem orientado. Acontece que a FAB (Força Aérea Brasileira) também voava para Montevideo e usava a mesma linha férrea como instrumento de orientação. Havia portanto o perigo de colisão entre os aviões da FAB e da VARIG, nos dias de má visibilidade. Foi preciso então haver um acerto entre VARIG e FAB para que os respectivos pilotos voassem sempre com os trilhos do trem à sua esquerda, evitando assim o risco da colisão!

Essa época, porem, da heroica navegação visual, passou, ou foi atenuada, quando surgiu o rádio. Na verdade, uma complementava a outra, como era o caso, por exemplo, de Curitiba, quando começamos a voar para lá depois de recebermos os Lockheed “Eletrinha”: Havia lá um aeródromo antigo, Bacacheri, militar, que possuía um rádio-farol, e um novo aeroporto, Afonso Pena, onde deveríamos pousar, mas que ainda não tinha rádio-farol. Então, com mau tempo, sobrevoávamos Bacacheri voando por instrumentos e apoiados no farol local, descíamos até contato visual precário com o solo, e então, visualmente, seguíamos em voo rasante sobre uma linha telefônica que ia de Bacacheri a Afonso Pena. Era, pois, uma navegação mista, rádio-visual, muito precária.

O rádio (goniometria, VOR, etc.) foi e creio que ainda é muito usado, principalmente para aproximações por instrumentos em aeroportos onde não existe coisa melhor. Para voos de longa distância, a partir dos anos 1950, surgiram equipamentos cada vez melhores, uns tornando os anteriores obsoletos. Houve o LORAN (Long Range Navigation), seu similar aperfeiçoado, que dependia de algumas estações em terra, depois algo que parecia a solução final: o Sistema Inercial, baseado em giroscópios, e que não dependia de qualquer apoio de terra; era auto-suficiente a bordo. Então chegaram os satélites que em grande quantidade abraçam hoje nosso planeta. O GPS é hoje em dia uma realidade que, aparentemente, neutraliza tudo que até pouco tempo existia e era considerado perfeito.

E não vamos esquecer a navegação astronômica, herdade da marítima, que foi usada em voos de longa distância, antes do advento dos processos mais sofisticados. Alguns aviões tinham, nessa época, uma cúpula de plexiglas, através da qual o navegador visava corpos celestes pré-escolhidos, para determinar a posição do avião em sua rota. Quando surgiram as cabines pressurizadas, no entanto, essas coberturas foram eliminadas porque, segundo consta, um navegador teria sido sugado para o exterior, quando a tal cúpula não resistiu à pressão da cabine. Apareceram então os sextantes periscópicos, mas que foram de curta duração. A VARIG tinha um radio-operador (telegrafista) a bordo de seus aviões, na época em que as comunicações em fonia eram deficientes. Com a chegada dos aviões Super-Constellation, equipados com excelente equipamento de rádio, foi possível dispensar o radio-operador, pois os próprios pilotos comunicavam-se em fonia. Como estávamos precisando de navegadores para a rota Rio-New York, demos treinamento de navegação aos telegrafistas, que passaram a ser “Navros” (Navegadores-Radio Operadores.)

Na nova rota para New York, com os aviões Super-Constellation, voava-se entre Rio e Belém durante várias horas, sobre uma densa e selvagem selva amazônica, pois ainda não existia Brasília e esse interior do país não estava desenvolvido. Voava-se, portanto, sem qualquer auxílio rádio, dependendo somente de duas coisas: a navegação celestial quando havia visibilidade, e o uso do radar meteorológico que o avião tinha na proa, e cuja antena podia ser inclinada para baixo de forma a apresentar uma visão razoável do solo à frente do avião. Os rios que atravessavam a selva tornavam-se visíveis na tela do radar e isso fornecia um tipo de navegação visual algo precário, porem melhor do que nada.

E a vetusta, e quase que completamente imutável através dos tempos, bússola magnética, que tanto serviu aos navegadores e foi conhecida e utilizada por todas as gerações de aviadores deste planeta, desde Santos-Dumont, até sei lá que tempo? Será que ela ainda é usada? Será que ainda tem seu lugar reservado no painel de instrumentos dos modernos aviões?


Eu fui um aeronauta e aeroviário por várias décadas, mas hoje, com meus noventa e tantos anos de idade, os aviões estão muito distantes de meu conhecimento, e o pouco que sei sobre os mesmos é proveniente de leituras e notícias de rádio e televisão. A única coisa que eu piloto hoje em dia é uma cadeira de rodas! Eu não saberia, portanto, dizer se a velha bússola, minha companheira de vários e inesquecíveis anos de voo, ainda está presente nos painéis. Talvez algum dia alguém atualizado nesses assuntos, possa me contar se ela ainda existe ou não! Afinal ela funciona impulsionada por algo que não nos custa nada, o campo magnético da Mãe Terra. Faço votos para que a bússola ainda apareça nos painéis dos aviões modernos, nem que seja por tradição ou homenagem a seus bons e antigos serviços.

E aqui terminamos, por enquanto! Até a próxima!




4 comentários:

  1. Comandante,
    TODOS os aviões são OBRIGADOS a ter uma CABRAL ( como chamamos a boa e velha bússola magnética ). Não posso lhe garantir mas creio que até a SPACE SHUTTLE possuía uma. Não sei se essa meninada do joystick sabe usar uma Cabral mas as máquinas deles tem sim. Precisa de um certo conhecimento e técnica para usá-la corretamente em movimento, tem um retardo e ela gira ao contrário do movimento, precisa pensar antes de fazer a curva, diferente do HSI.
    Schumann

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  2. O Space Shuttle poderia ter para quando estivesse na parte final da operação de pouso, porque quando estivesse em órbita não serviria para nada uma Cabral.

    Paz, Saúde e Prosperidade
    Schumann

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  3. Sim, ainda possuem!! Todos... desde os experimentais até o A380!!

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  4. Sim, é obrigatório a sua instalação, e independente de todos os sistemas da aeronave, incluindo o elétrico, de forma a ser confiável em caso de falha de todos os demais sistemas, redundantes ou não...

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