(Por Rubens A R Bordini, fevereiro de 2014)
Todos
os seres vivos, por uma razão ou outra, precisam locomover-se. Essa locomoção
ocorre eventualmente em um dos três ambientes existentes em nosso planeta: A
terra sólida propriamente dita, a camada de ar que envolve a Terra, ou
atmosfera, e as áreas cobertas por água (rios, lagos, oceanos). Para tal
locomoção, os seres vivos utilizam respectivamente pernas ou pseudopodes, asas
e nadadeiras. Os seres vivos mais primitivos têm como motivação para seu
deslocamento, principalmente, a alimentação ou a procriação.
Uma
vaca, solta numa campina, tem condições físicas para locomover-se, mas
basicamente só o faz para procurar uma área de melhor pasto. E assim acontece
em geral com todos os animais. Com os seres humanos, porém, é diferente: Com
sua inteligência e imaginação, através de muitos milênios, os humanos
rodearam-se progressivamente de muitos outros interesses em sua vida, além dos
básicos, alimentação e procriação, que os levaram, através dos tempos, a
invadir e utilizar outro ambiente para sua locomoção, além da terra firme, as
superfícies cobertas por águas. Assim o homem imaginou e construiu canoas
primitivas que evoluíram para todas as formas modernas de embarcações que se
conhecem hoje.
O
terceiro ambiente q ue envolve a Terra, a
atmosfera, foi muito mais difícil de conquistar; o homem podia ver que as aves
navegavam no ar que as rodeava, mas não podia entender como isso era possível,
até que, lenta e progressivamente, a aerodinâmica primitiva passou a ser
entendida e aplicada na construção de balões, depois dirigíveis e finalmente,
já bem mais avançada, aeronaves mais pesadas do que o ar.
Esse
desenvolvimento tecnológico coincidia e estimulava a predestinação humana para
o movimento, de tal forma que, à medida que evoluíam os meios de transporte,
mais e mais a vida humana dependia de deslocamentos humanos, que atendiam às
crescentes necessidades dos homens e suas famílias em qualquer campo
sociológico, ou econômico, ou o que seja.
Muito
naturalmente, a observação do voo das aves levou os homens a procurarem
imitá-las, para o deslocamento num meio sem obstáculos, e com a rapidez que
sempre caracterizou os anseios humanos, como se tivessem plena consciência de
sua curta existência, da ausência da imortalidade e, portanto, da importância
de realizar qualquer coisa no menor tempo possível. No entanto, poucos, muito
poucos foram aqueles que observaram o voo das aves com olhos de pesquisadores,
com o fito de eventualmente imitá-las. Entre eles figura nosso genial
compatriota, Santos-Dumont, que transformou os balões esféricos que eram
impulsionados pelo vento e portanto não serviam como meios de transporte, em
naves alongadas providas de motor que as impulsionava e de lemes que as
dirigiam; por isso foram chamadas de “dirigíveis”.
Como
se sabe, S-D fabricou uma aeronave que levou o nome de 14 Bis, com a qual voou
em Paris, França, perante grande assistência de admiradores. Seria ele o
primeiro homem a voar? Do outro lado do Atlântico, porém, havia um par de irmãos,
os Wright, que tinham uma fábrica de bicicletas e que também se interessavam
pela possibilidade de conquistar o ar. Eles construíram uma aeronave que voou
catapultada descendo uma colina, sem quaisquer testemunhas, numa praia deserta.
Hoje, uma parte da humanidade acha que S-D foi o inventor do voo, ao passo que
outra parte de nossos conterrâneos acha que os heróis foram os irmãos Wright.
Como
há essa dualidade de opiniões sobre quem voou primeiro, prefiro crer que nenhum
deles foi o primeiro, pois outro já voara muito tempo antes. Refiro-me ao
arquiteto e “factótum” cretense Dédalo, que segundo a historinha dessa época,
teria voado como uma ave.
A
coisa teria sido o seguinte: Havia, muito antes de Cristo, nas terras banhadas
pelo mar Egeu, um reinado chamado Creta, que tinha um rei chamado Minos, casado
com a rainha Parsifae. O rei Minos, que era muito desconfiado, um belo dia
achou que seu reinado ficaria mais seguro se pudesse contar com o apoio dos
deuses. Assim, pediu a Poseidon, deus dos mares, que lhe enviasse um belo touro
todo branco, o qual seria sacrificado em homenagem aos deuses. Seu pedido foi
atendido, e “presto”, apareceu na porta do palácio o tal touro belíssimo. Ao
ver o belo touro, Minos decidiu não sacrificá-lo devido à sua beleza. Afrodite,
que andava por ali e era muito metida, ao saber da decisão de Minos, ficou
contrariada e decidiu punir o rei, fazendo com que a rainha se apaixonasse
perdidamente pelo tal touro.
Afrodite,
como se sabe, era muito versada em assuntos ligados ao amor e ao sexo; por
isso, a macumba feita com a rainha deu muito certo, fazendo com que esta, num
assomo de tesão, pedisse ao arquiteto e artesão Dédalo, ajudado por seu filho
Ícaro, que construíssem um simulacro de vaca, no qual ela, rainha, poderia
esconder-se, para que pudesse copular com o tal touro galã. E assim foi feito,
e dessa cópula nasceu uma criatura estranha, meio homem - meio touro, que
recebeu o nome de Minotauro, e que se tornou, com o passar do tempo, um monstro
devorador de seres humanos, o que era sua ração de sobrevivência que o rei
Minos, a contragosto, tinha que de proporcionar-lhe. A coisa chegou a tal ponto
que Minos, preocupado com a redução demográfica de seu país, decidiu dar um
“chega prá lá” na fome do bicho. Só que, por modéstia ou outra razão qualquer,
ao invés de transformar o Minotauro em Mini-guizado ou Mini-xarque, incubiu
novamente o faz-tudo Dédalo de construir – não uma modesta cadeia dessas que
aparecem nos filmes “western” com o nome “jail”, mas sim uma imensa e cara
construção que foi chamada de “Labirinto” e que consistia de uma grande
quantidade de corredores e salas, dispostos de tal maneira que era impossível a
qualquer vivente achar a saída. Para dentro do Labirinto foi empurrado o
Minotauro, que por lá ficou por não saber como sair. O curioso é que o tal
bicho-papão deveria ficar dentro do Labirinto para sempre, tendo portanto que
ser alimentado outra vez com carne humana, donde se conclui que essa solução
não solucionava coisa alguma.
As
coisas estavam nesse pé, com o Minotauro comendo sua ração de,
preferencialmente, jovens de carne macia, quando apareceu por aquelas bandas um
xerife metido a John Wayne, chamado Teseu, que se dispunha, agora sim, a
transformar o indesejável Minotauro em algo útil como, por exemplo, guisado
para vender para a cadeia Mac Donald que talvez já andasse por lá.
E
dito e feito: Teseu com muita tesão entrou na Labirinto com a conivência de
Dédalo e seu filho Ícaro, que lhe ensinaram o macete para sair da arapuca,
liquidou com o Minotauro e sumiu, pois não se ouviu mais falar dele.
O
rei Minos quando soube que haviam liquidado o Minotauro, ficou pê da vida com
Dédalo e seu filho, não se sabe por que, e mandou prendê-los numa ilha deserta,
uma das centenas de ilhas que existem no Mar Egeu. Dédalo, que não era nem
burro nem preguiçoso, começou a pensar sobre como poderiam sair da ilha; Nadando
não era viável, pois nenhum dos dois sabia nadar; Não havia qualquer embarcação
que pudessem usar. Em sua profunda meditação, Dédalo teve sua atenção voltada
para algumas aves de porte – talvez urubus? – que avançavam sem grande esforço
por sobre o mar, com destino certamente conhecido por elas. Notou também que as
aves agitavam os membros anteriores, que corresponderiam aos braços de um
homem, e que se chamavam asas; viu também que essas asas eram revestidas de
penas, cuja finalidade seria, provavelmente, facilitar o deslocamento do ar
sobre as mesmas.
Assim,
o esclarecido arquiteto decidiu fazer uma experiência aérea. Com o concurso, a
contragosto, de alguns urubus, arrecadou penas grandes em quantidade suficiente
para revestir seus braços e os de Ícaro; colou as penas com cera (de abelhas?)
e, como bom piloto de provas, subiu a um rochedo para lançar-se ao ar, pois notara
que era necessário ter uma certa velocidade para iniciar o voo, com a devida
sustentação. Dédalo agitou os braços cobertos de penas, e de uma maneira ou de
outra conseguiu sustentação para um voar hesitante e primitivo, mas afinal
dominou as dificuldades e pôde fazer algumas evoluções, subir e descer, curva à
esquerda e à direita, chegando à conclusão que o voo era possível e seguro.
Tinha agora que instruir Ícaro, para que ambos pudessem sair da ilha.
Dédalo,
mesmo sem o saber, já estava sendo pioneiro em algumas coisas relativas ao voo
de alguém não-pássaro: Fora o primeiro a observar o voo das aves, tirando daí
suas sábias conclusões e estabelecendo pela primeira vez algumas regras básicas
da primitiva aerodinâmica. Imaginara e realizara o primeiro voo experimental da
história, e agora estava prestes a tornar-se o primeiro instrutor de voo,
inaugurando assim essa nobre profissão que tão útil seria muitos anos mais
tarde.
Pois
bem: Dédalo preparou Ícaro para essa nova experiência, instruindo-o
minuciosamente em como agir e, numa observação complementar, recomendando
expressamente que não subisse muito, pois chegaria perto demais do Sol, o que
poderia derreter a cera das penas. Ícaro decolou sem problemas, fez diversas
evoluções, e extasiou-se com o voo e a visão que tinha lá de cima. Esquecendo a
recomendação de seu pai e instrutor, subiu demais e com isso suas penas
soltaram-se dos braços, sendo a cera derretida pelo calor do Sol. Sem apelação,
o jovem e pretenso aviador precipitou-se nas águas do Mar Egeu, morrendo
afogado, ante os olhos consternados de Dédalo, que testemunhou assim, a invenção
de algo que, graças à indisciplina de Ícaro havia de repetir-se muitas vezes na
aviação do futuro: O acidente de avião devido a erro do piloto. Pode-se dizer
que Ícaro inventou o acidente!
Baseado
nessa historinha, que com realismo pode ser considerada uma lenda, das diversas
que os gregos antigos tinham à farta, prefiro dizer que o inventor do voo
humano foi Dédalo e não um dos pesquisadores do século 20, sem que isso diminua
o mérito de um Santos-Dumont ou de um ou ambos dos Wright. Claro, eles
construíram a máquina a partir das quais o mundo está hoje cheio de milhares de
versões modernas e eficientes, realizando aquela predestinação humana de
locomover-se.
Muito
bem: E o Labirinto? Aquela construção imensa e desnecessária pós-Teseu, o que
fazer com ela? Ninguém sabia qual poderia ser seu destino, até que novamente
Dédalo, muito sabido como sabemos, baseado em informações que colhera de
viajantes, veio com a solução do problema: Vamos transformar o Labirinto no que
se chama hoje “shopping Center”, ou seja um lugar para onde vão centenas ou
milhares de pessoas com um determinado fito, ou muitas outras sem fito algum.
Seria necessário, porém, adaptar a arapuca, pois não tinha teto, nem
instalações sanitárias, nem portas decentes. Era preciso, também, colocar por
todas as partes placas sinalizadoras com dizeres esclarecedores, tais como “SAIDA,
EXIT, SALIDA, SORTIE”, etc., sem o que os frequentadores do futuro Shopping
correriam o risco de por lá ficarem para sempre.
E
com isso tudo, estamos conversados! “Si non é vero, é bene trovatto !” (espero
que meu italiano esteja correto, no que tenho minhas dúvidas!)
Excelente, comandante!
ResponderExcluirMeu querido e saudoso Mestre de Navegação Aérea, que saudades do senhor.
ResponderExcluirMe delicío "ouvindo" suas histórias.
Exelente!!
Quando leio "vejo" o senhor sentado á frente de nossa turma ( Segundo CAA ).
Schumann
Caro Schumann: desculpe o atraso da resposta. Muito obrigado pelos comentários e pela gentilesa. Saludos, meu amigo.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPerdão foi o TERCEIRO CAA e não o segundo.
ExcluirSchumann